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Exposição
procura envolver os visitantes no clima da revolução
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Quando
chegou 32 houve a revolução que foi tipicamente uma
revolução burguesa porque foi a burguesia de São
Paulo que se levantou: os Moraes Barros, os Paes de Barros... Anunciavam
um comício na porta da Catedral da Sé, iam os homens
e as senhoras e gritavam na rua. As mulheres se davam as mãos
com os braços cruzados no peito e desciam a rua gritando: São
Paulo é dos paulistas. Tenentes, abaixa a crista. Os
tenentes se instalaram aqui e passaram a governar São Paulo.
Em 1932, São Paulo inteirinho trabalhou. Foi um trabalho bonito,
de solidariedade. E o Brasil inteiro veio contra São Paulo.
Nós fomos guerreados em todas as frentes: de Minas, do Rio,
do Paraná... A revolução durou de 9 de julho
a 28 de setembro. Três dias depois, os aviões que os
revolucionários de São Paulo tinham recebido do exterior
voaram pelos ares, foram explodidos para não se entregar. Aí
Getúlio tripudiou sobre São Paulo. Nós pagamos
imposto de guerra: todo funcionalismo público tinha um desconto
de oito mil réis por mês (um dia de trabalho) para pagar
os custos da guerra durante três ou quatro anos...
No começo achávamos que São Paulo ia ganhar...
Mas lá fora diziam que São Paulo queria a independência.
As comunicações foram interrompidas. Desceram os cangaceiros
do nordeste e Itapira, interior paulista, onde é a casa de
meus padrinhos, foi depredada... O comandante daquela frente levou
com ele até as samambaias de minha tia. Levaram a porcelana
Limoges. O piano, que não puderam levar, arrebentaram a coronhadas...
As lembranças desta senhora que assina como dona Brites e de
outras pessoas que viveram a angústia, o temor e a expectativa
da Revolução de 32 derrubam os mitos e o ufanismo. Elas
falam do cotidiano amargo de uma guerra que abateu centenas de pessoas.
Oficialmente foram registradas 634 constitucionalistas mortos em 85
dias de combate. Acredita-se, no entanto, que este índice tenha
sido muito maior. Mesmo assim, é expressivo, se for comparado
com os 451 pracinhas brasileiros que perderam a vida durante a Segunda
Guerra. Importantes, ainda, os dados da Santa Casa de São Paulo
que acolheu 1.273 soldados feridos durante os confrontos.
É essa história mais próxima da realidade que
o Museu Paulista da USP, mais conhecido como Museu do Ipiranga, está
contando em uma exposição muito especial. 1932:
Cotidiano e Memórias da Revolução Constitucionalista
tem a curadoria da historiadora Cecília Helena Salles de Oliveira,
a montagem do museólogo Ricardo Nogueira Bógus e a programação
visual de Christine Fidalgo. Reúne fotos, cartazes e objetos
que vão desde medalhas, capacetes, cantis até peças
de artilharia. Nós abordamos o tema seguindo duas linhas
de questionamento: a complexidade da guerra civil que contrapôs
parcelas significativas da elite e da sociedade paulistas ao governo
chefiado por Getúlio Vargas e aspectos da vivência de
soldados e voluntários nos campos de batalha, destacando a
campanha de mobilização popular que sustentou a luta
armada em São Paulo, explica a pesquisadora.
Os depoimentos, extraídos da pesquisa Memória
e Sociedade, de Ecléa Bosi, também levam a novas
reflexões sobre essa guerra. A exposição deixa
o público à vontade para interpretar e tirar suas próprias
conclusões. Contrapõe opiniões pondo em xeque
as diversas versões sobre a realidade dos acontecimentos.
Há, por exemplo, o depoimento de um combatente que assina como
Abel. Ele relata, com detalhes curiosos, os episódios de 22
e 23 de maio e as mortes de Miragaia e Dráusio, porém
deixa escapar o seu idealismo sobre os fatos:
A Revolução de 32, esta sim! Ela não perdeu,
ela apenas ensarilhou suas armas porque o Getúlio tinha rasgado
a Carta Magna. Ele enganava os trabalhadores. Mas a revolução
não perdeu, ela deixou de lutar quando nós já
tínhamos obtido o que queríamos. O fim já tinha
chegado. O ideal era aquele, a Constituição... Eu, esse
que vos fala, Abel, morava na então pensão Mello, esquina
da rua do Arouche com a Praça da República. Ali jantava
comigo Miragaia, o José Miragaia, que vinha de São José
dos Campos... Era aí naquela esquina, onde estava o antigo
PPP, Partido Popular Paulista, de que era presidente o doutor Miguel
Costa. Então, nós descemos para ver o que havia. O Miragaia
estava comigo. Quando nós chegamos perto do PPP, saiu detrás
de uma árvore um homem armado de uma carabina. Eu e Miragaia
arrancamos o fuzil da mão dele e corremos. Então, ouvimos
o ruído de tiros. Eu não estava acreditando, eu estava
pensando, aquilo devia ser tiro de festim, porque era impossível
dar tiro à tôa, sem quê nem como. Nós não
havíamos feito nada, não sabíamos nem do que
estava se tratando. Quando chegamos naquela esquina, antes da avenida
São João, eu me joguei no chão e o Miragaia também.
Eu dali continuei dando tiro... Então fui chegando, sempre
de rastos e dando tiro e vi que ele, Miragaia, tinha levado um tiro
na nuca. Assim, ele era a primeira vítima da revolução.
Subi pra minha casa... Mas nisso eu ouço um gemido que vem
de baixo. E tinha um senhor bem vestido deitado lá embaixo,
vestido de branco, e gemia, gemia... Desci... Então, ele disse:
Meu nome é Dráusio. Segunda vítima
da revolução. A respeito de Martins e Camargo, nada
sei, não ouvi falar...
Um povo heróico e ingênuo
Através
das fotos, muitas delas tiradas pelos combatentes, é possível
compor a realidade de um povo heróico, corajoso, porém
ingênuo. Segundo pesquisas da equipe do Museu Paulista, participaram
cerca de 40 mil brasileiros de São Paulo e Mato Grosso e
120 mil dos outros Estados da União estiveram envolvidos
nas operações militares que se caracterizaram por
batalhas campais, ações de guerrilha nas montanhas
e pequenos combates. Houve, ainda, mais 200 mil homens que se apresentaram
como voluntários para as tropas constitucionalistas em São
Paulo. A maioria era descendente de imigrantes e outros vinham de
Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
A exposição registra também a participação
ativa das mulheres. Foram 72 mil trabalhando como voluntárias,
representando 15% da população feminina do Estado
de São Paulo. Figuravam nas comissões ou se dirigiam
para as cidades próximas dos combates para ajudarem como
enfermeiras ou farmacêuticas. Muitas se encarregavam também
de divulgar a revolução.
As propagandas para convencer o povo a participar da guerra também
estão nesta mostra. Junto com os cartazes, há um trecho
do romance A locomotiva A outra face da revolução
de 1932, de Afonso Schimidt que define bem a publicidade: São
comunicados sem inteligência, ou melhor, sem consideração
pelo povo. As forças de Minas e Rio Grande do Sul, não
podendo colaborar conosco em virtude da traição de
seus chefes, tinham cruzado os braços e não davam
tiro. As próprias tropas federais, levando em conta nossos
democráticos propósitos, começavam a fazer
causa comum com os constitucionalistas... E o povo ingênuo
a acreditar. Quando alguém punha em dúvida o otimismo
dos comunicados, surgia a seus olhos nas paredes e nos jornais:
Paulista, não acredite no que disserem, mesmo que possa
ser verdade!. E o levante, que poderia ser dominado pelas
armas federais, solução até certo ponto normal,
ou pelo menos concorde com as leis psicológicas que regem
as grandes marés humanas, teve um final infeliz. Naufragou
num mar tempestuoso de mentiras...
Schimidt registra ainda o caos espantoso, onde o paulistano diariamente
encontrava movimentos organizados com crianças que levavam
à frente um estandarte com os dizeres: Se for preciso,
nós também vamos! De forma irônica, o
pesquisador deixa clara a traição ao povo paulista.
Descreve: Em 23 de outubro de 1933, como tinha sido marcado
antes do levante, realizaram-se em todo o País as eleições
decretadas por Getúlio Vargas. Por esta altura, muitos chefes
de 32 já estavam de regresso ao Brasil. Seu exílio
em Portugal, nas elegantíssimas praias de Cascais ou nos
paços do Marquês de Foz, transformados num dos cabarés
mais elegantes da Europa, deixara muita gente de água na
boca. E Getúlio Vargas, no Catete, com seu charuto, com seu
sorriso, com seu humorismo, empreendeu uma coisa diabólica:
fez aleluia de cargos e posições. Diante disso, os
vira-casacas, que tinham mandado a mocidade para o matadouro de
uma guerra fratricida e desigual, traíram mortos e vivos,
aceitando de suas mãos liberais polpudas sinecuras... E o
povo paulista... Nosso povo heróico, trabalhador e digno
compreendeu, afinal, a burla de que fora vítima...
1932: Cotidiano e Memórias da Revolução
Constitucionalista , exposição do Museu Paulista
da USP, parque da Independência, s/nº , Ipiranga. De
Terça a Domingo das 9h às 16h45. Ingressos: R$ 2,00,
crianças até 5 anos e pessoas acima de 60 estão
isentos. Todo terceiro domingo do mês, a entrada é
franca
Na
cidade, as marcas da revolução
Muita gente ignora, mas vários pontos de
referência de São Paulo homenageiam a Revolução
de 1932. No entanto, ficaram tão integrados ao cotidiano e
à paisagem que a sua memória acabou se perdendo.
O campus da USP em São Paulo, por exemplo, leva o nome de Armando
de Salles Oliveira um revolucionário que, em agosto
de 1933, foi nomeado interventor por Getúlio Vargas e, um ano
depois, assinou o decreto da criação da Universidade
de São Paulo, a primeira do País. A revolução
também é lembrada na avenida e no túnel 9 de
julho, antiga avenida Anhangabaú. Agora, o monumento mais significativo
está no Parque do Ibirapuera. É o Obelisco-Mausoléu
inaugurado em 1954, durante as comemorações do 4º
Centenário de São Paulo. O espaço interno apresenta
a arte de Galileo Emendábili e Mário Edgard Pucci. Também
conta a história das batalhas através de uma exposição
de fotos e documentos. Este espaço é integrado também
pela avenida 23 de Maio, ligação entre o Ibirapuera
e o Centro. A data lembra os confrontos nos quais morreram Martins,
Miragaia, Dráusio e Camargo (MMDC).
Curioso lembrar também que a bandeira do Estado de São
Paulo, a bandeira das treze listas, tornou-se, em 1932, um dos mais
importantes símbolos da revolução. Não
chegou a ser oficializada pelo governo revolucionário, nem
foram estabelecidas, naquela época, normas de execução
padronizadas para ela. Entretanto, seu uso foi consagrado pela tradição
popular e, entre todas as outras bandeiras estaduais, a de São
Paulo é a única a representar o mapa do Brasil. Foi
reconhecida oficialmente em 1948. |