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Mário
Dzururá, ou Juruna como era conhecido, foi o primeiro e único
índio brasileiro a se tornar deputado federal. Eleito pelo
PDT do Rio de Janeiro em 1982, cria política de Leonel Brizola
e do antropólogo Darcy Ribeiro, que na época militava
nas fileiras do partido, Juruna foi o maior representante indígena
nas esferas do poder federal. Vítima de diabete crônica,
o ex-cacique xavante morreu no dia 17, depois de passar 15 dias internado
no hospital Santa Lúcia em Brasília. A doença
já o debilitava há muito. Preso a uma cadeira de rodas,
Juruna andava esquecido pelos políticos e pelos índios,
mas sua atuação foi um marco histórico. A
presença de um índio no Congresso foi importante para
defender os interesses indígenas e para barrar projetos que
os prejudicassem, explica a antropóloga Fany Ricardo,
coordenadora do ISA(Instituto Socioambiental)
Como deputado federal, Juruna foi uma espécie de embaixador
das nações indígenas e sua atuação
no Congresso serviu para sensibilizar setores sociais para os problemas
que os indígenas enfrentavam. O cacique xavante chegou a Brasília
no final dos anos 70 e logo ganhou notoriedade por andar, para baixo
e para cima, com um gravador debaixo do braço registrando as
promessas dos políticos. Mesmo depois de eleito deputado, Juruna
continuou sendo considerado por muitos apenas como uma figura folclórica,
com hábitos e idéias extravagantes. Contudo, aos poucos,
foi se impondo como analista da situação indígena
no Brasil e como ator político. Logo no seu primeiro ano de
mandato, conseguiu criar a Comissão do Índio, da qual
foi o primeiro presidente. Com a função de assegurar
os direitos indígenas, a comissão passou a funcionar
como um órgão permanente da Câmara dos Deputados.
O segundo grande passo do ex-cacique foi a aprovação
do projeto que alterava a composição da diretoria da
Funai. Ele queria que a Funai fosse administrada por pessoas apontadas
pelas comunidades indígenas índios ou indigenistas
reconhecidos. Os burocratas cederiam espaço para os verdadeiros
conhecedores da situação do índio no Brasil.
Reconhecido por sua atuação, ele nunca deixou de ser
polêmico. Recusou-se a usar terno e gravata, como exige o protocolo
da Câmara, quase perdeu o mandato por dizer que todo ministro
é ladrão e teve sua imagem bastante desgastada
quando confessou ter recebido dinheiro do empresário Calim
Eid, para votar em Paulo Maluf no colégio eleitoral. Pressionado
por seus colegas de partido, ele acabou denunciando o suborno, devolvendo
o dinheiro e votando em Tancredo Neves.
O
gravador é arco e flecha
Líder
dos xavantes, Juruna saiu da sua tribo, na reserva de São
Marcos no Mato Grosso, e foi para Brasília tentar ser ouvido
pelo presidente. Depois de enganado muitas vezes, Juruna decidiu
usar o gravador que tinha comprado em Cuiabá para registrar
as mentiras que lhe diziam e as promessas falsas que
lhe eram feitas. A demarcação das terras indígenas
sempre esteve no centro de suas preocupações, talvez
pela própria história que viveu com sua tribo. Os
xavantes viviam na cabeceira do rio Xingu e depois de uma série
de conflitos com posseiros foram empurrados para o rio Araguaia
até chegarem ao Mato Grosso, onde ocuparam as margens do
rio da Morte. Juruna ainda era um menino pequeno mas se lembrava
das mortes e das doenças. Sempre fugindo. Abandonamos
roça, nossa maloca, nosso rio, tudo que xavante tinha.
Irritado com a omissão da Funai e o alheamento das autoridades
públicas em relação ao problema da terra indígena,
ele peregrinou durante dias pelos corredores do Ministério
do Interior tentando falar com o então presidente Ernesto
Geisel. Vítima da burocracia, resolveu se vingar. Sua arma
no mundo dos brancos foi o gravador. Ele começou a cobrar
coerência entre as promessas e as ações das
autoridades brasileiras e se tornaria famoso por isso. Eu
comprei gravador porque branco faz muita promessa. Depois esquece
tudo, disse em entrevista ao Pasquim. Em 1980, enfrentou a
proibição do governo, que o impedia, pelo fato de
ser índio, de viajar ao exterior. Junto com Darcy Ribeiro,
Juruna foi convidado pelo Tribunal Bertrand Russel para ir a Holanda
servir de jurado no julgamento dos crimes contra as raças
indígenas do mundo inteiro. A Funai quis impedir sua ida,
a disputa foi parar na justiça e a luta de Juruna para ir
até a Holanda ganhou as páginas dos jornais do País.
Começava-se a questionar a tutela da Funai sobre os índios.
Hoje, um projeto de lei que põe fim à tutela está
em tramitação no Congresso. De acordo com Fany, o
projeto traria ganhos para os indígenas, mas ainda deve demorar
para ser aprovado porque enfrenta resistência de vários
setores, principalmente da própria Funai.
Política
indígena
Primeiro
índio a filiar-se a um partido político, e o único
a chegar ao Congresso, Juruna foi o precursor do ingresso dos índios
na política institucional. Nas eleições municipais
de 2000, mais de 350 índios pleitearam vagas 13 deles
para prefeito, e 80 conseguiram se eleger vereadores. As associações
e organizações indígenas que começaram
a surgir na década de 1980 também se multiplicaram,
especialmente depois da Constituição de 1988. Houve
um grande avanço no reconhecimento dos direitos dos indígenas
com a Constituição de 1988. As reservas de terras
passaram a ter que ser suficientes para que eles se reproduzissem
física e culturalmente e foi reconhecido o direito de se
organizarem como sociedade civil, explica Fany. Os povos indígenas
passaram gradativamente a se apropriar de mecanismos de representação
típicos da sociedade dos brancos e, apesar de terem dificuldades
para constituir organizações estáveis, hoje
elas já chegam a 400. A maioria costuma ser vinculada a uma
só aldeia, mas há também aquelas que atuam
em âmbito maior, ao longo de um rio ou ainda as de caráter
regional como a Coiab (Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira) .
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