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O clima instável de Johannesburgo combina com as variações de pressão e temperatura dos salões e corredores do Centro de Convenções de Sandton, onde acontecem as reuniões e plenárias da Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+10. Há dias de sol, outros com chuva forte e alguns nublados com intermitentes garoas. Esse relato ao estilo dos boletins meteorológicos serve para mostrar que as negociações que se desenvolvem oficialmente desde o dia 26 de agosto, entre as delegações dos países participantes, podem em um momento apontar caminhos esperançosos para em seguida amplificar ecos de pessimismo.
Diplomatas experientes que têm por ofício participar de negociações no âmbito das Nações Unidas dizem que é assim mesmo. São processos longos, difíceis e complexos. Há muitos pontos de vista em jogo e todas as decisões devem ser tomadas em consenso. Nesta segunda-feira, 2, as delegações oficiais serão fortalecidas pela presença dos chefes de Estado e até o dia 4 deverão estar prontos os dois documentos principais da Cúpula de Johannesburgo, o Plano de Implementação da Agenda 21 e a Declaração Política dos países participantes.
Este último é um documento de conteúdo mais simbólico, uma carta de princípios com expressões de desejo sobre o futuro do planeta, como é a Carta da Terra resultante da Eco-92. O Plano de Implementação é o “xis” da questão. Nele estarão as diretrizes a serem seguidas pelos países signatários e as metas a serem atingidas, os compromissos assumidos, as fontes de recursos para que sejam implementadas as iniciativas de desenvolvimento sustentável e governança ambiental. Após as reuniões preparatórias, chegou-se a Johannesburgo com 75% desse documento já aprovado pelos países participantes. Dos 615 parágrafos que compõem o plano, faltava lapidar 156 em que havia divergências. Os pontos polêmicos estão “entre colchetes”, na terminologia diplomática. O documento deveria ter sido concluído no IV PrepCom, realizado em Bali (Indonésia) entre 27 de maio e 7 de junho deste ano.
Das muitas questões de grande relevância que chegaram até essa cúpula sem acordo, pode-se dizer que, graças ao esforço diplomático, alguns avanços foram alcançados. Para Maria Luisa Viotti, ministra da Missão Permanente do Brasil na ONU, “a reafirmação dos princípios da Rio-92, em especial o das responsabilidades comuns mas diferenciadas, é uma das vitórias”, porque o tema sempre gerou discussões e resistências. Os Estados Unidos sempre se recusaram a reconhecê-lo e a mudança de postura só teria ocorrido agora.
De acordo com esse princípio, os países têm responsabilidades comuns por medidas de reversão dos danos ambientais, mas devem responder na proporção dos estragos causados. O princípio foi aceito na introdução do documento principal e sua referência ainda é negociada em pontos essenciais como padrões de consumo, energia e mudanças climáticas.
Com relação à energia, o Brasil defende uma proposta que tem gerado acalorados debates: até 2010, pelo menos 10% das fontes geradoras de energia no planeta deveriam ser das chamadas “novas energias renováveis”, incluídas aí as fontes solares, eólicas e hidráulicas, desde que restritas a pequenas hidrelétricas e não aos megaprojetos que causam elevado impacto ambiental. O secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, José Goldenberg, trouxe a proposta a Johannesburgo e, com apoio da delegação brasileira e de países como Argentina, México, Noruega e Filipinas, tem defendido sua inclusão no documento final. A União Européia propõe 15% de fontes renováveis nos próximos oito anos, mas inclui entre elas todas as conhecidas, inclusive a biomassa (queima de madeira, por exemplo) e grandes hidrelétricas. No interior do G77, o grupo dos chamados países em desenvolvimento, tampouco há consenso sobre a questão. As nações que fazem parte da Opep – países que são grandes exportadores de petróleo – relutam em aderir à proposta.
As organizações não-governamentais (ONGs) também atuam em conjunto com algumas delegações utilizando formas de pressão para que esses temas polêmicos, mas que são fundamentais para o desenvolvimento sustentável, não fiquem de fora do documento final. A megaorganização WWF (Fundação Mundial para a Vida Selvagem) realizou uma manifestação apoiando a proposta brasileira. Seus militantes usavam pijamas, máscaras de alguns dos chefes de Estado das grandes potências e cartazes em que se lia: “world leaders, wake up!” (líderes mundiais, acordem!).

Combate ao desemprego

Outro ponto que está em pauta é o desemprego, e como resultado há a previsão de uma proposta internacional para aumentar as oportunidades de novos postos de trabalho. Na prática, agências da ONU e outros organismos internacionais comprometem-se a concentrar esforços para aumentar o fluxo de investimentos nos países em desenvolvimento. Entre as recomendações acordadas está a adoção, por parte de cada país, de programas de incentivo a investimentos em produção limpa (que não polui o meio ambiente). Outra diz respeito ao campo de ação do GEF (Global Environmental Fund), fundo direcionado a financiamento de projetos ambientais. Agora também estão em sua alçada programas de combate à desertificação e desflorestamento.
No campo dos direitos humanos, avanço importante, também para a ministra Maria Luisa, é o acordo que reconhece os direitos das populações indígenas e a importância dos chamados conhecimentos tradicionais. A área de saúde também já foi discutida. Foram compromissos mútuos de combate a doenças transmissíveis, como malária, Aids e outras. No capítulo sobre desastres naturais, foi introduzida a noção de esforços preventivos. Na questão dos oceanos, foi reconhecido o direito dos países costeiros de regulamentar a pesca em suas zonas econômicas exclusivas e em alto-mar. Além disso, os norte-americanos finalmente cederam na meta para renovação de estoques pesqueiros.
Uma questão dramática é mesmo o estabelecimento de metas. Estão pendentes as áreas de saneamento, produção e consumo de produtos químicos, reversão da perda da biodiversidade e aumento de fontes renováveis de energia. Biodiversidade, desde a Rio-92, é um tema explosivo que ainda não está definido em Johannesburgo. O ministro Everton Vieira Vargas, diretor geral do Departamento do Meio Ambiente e Temas Especiais do Itamaraty, está à frente dessas negociações pela delegação brasileira. Há uma proposta sobre a repartição dos benefícios auferidos pela utilização dos recursos biológicos e genéticos, que o Brasil defende.
“Esses recursos são cruciais para a indústria farmacêutica, de cosméticos, de ceras, alimentícia. O que acontece, hoje em dia, é que esses recursos são retirados dos seus países de origem e geram lucros imensos para as empresas e os países de origem não contam com qualquer retorno sobre isso”, diz Vargas. A repartição de benefícios é algo que está previsto na Convenção sobre Diversidade Biológica, que foi adotada na Rio-92 e entrou em vigor em 93, mas que até hoje não foi possível regulamentar. “Nós temos intenção de regulamentar. Em paralelo a isso, os países em desenvolvimento estariam dispostos até mesmo a aceitar uma meta para se reduzir significativamente a perda de biodiversidade, desde que pudessem contar com recursos financeiros, novos e adicionais, e recursos tecnológicos adequados.”
Os assuntos são mesmo complicados e são necessárias várias rodadas de negociação. Segundo a ministra Maria Luisa Viotti, é difícil, pois o G77 e a China ora votam com os EUA, ora com a União Européia. Em questões de comércio e finanças, EUA e UE posicionam-se contra os países em desenvolvimento. Quando o assunto em pauta são as metas, há conflitos entre os países do Hemisfério Norte. “Temos poucos dias e ainda temos que negociar a Declaração Política da cúpula, mas sou otimista e tenho uma expectativa positiva”, diz a representante do Brasil na ONU. Ela lembra que, se não por outro motivo, ao menos a Cúpula de Johannesburgo terá tido o mérito de reavivar o interesse e a conscientização de governos e sociedade civil para as questões ambientais.


O jornalista Pedro Ortiz, diretor da Divisão de Mídias Audiovisuais da Coordenadoria de Comunicação Social (CCS) da USP, participa da Rio+10 numa parceria entre a CCS e a Agência Carta Maior. Mylena Fiori é jornalista da Agência Carta Maior



Nova esperança para os amazônidas
P. O. e Fábio Durand

O ministro do Meio Ambiente do Brasil, José Carlos Carvalho, anunciou em Johannesburgo que o Brasil alcançou um recorde histórico na apreensão de madeira ilegal na Amazônia, atingindo 80 mil metros cúbicos, dos quais 50 mil metros são de mogno. Em entrevista exclusiva, Carvalho disse que o Ibama está coordenando os esforços para o combate à exploração clandestina de madeira na região. “Estamos encontrando dificuldades, porque algumas empresas tentam conseguir na Justiça autorização para poder utilizar a madeira apreendida”, disse o ministro, que participa da delegação oficial brasileira na Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável a Rio+10, que se realiza na capital da África do Sul, de 26 de agosto até esta quarta feira, 4. “Nos termos da Lei 9605, vamos provar que essa madeira foi explorada ilegalmente.”
O ministro afirmou que vai adotar todos os procedimentos jurídicos necessários para eliminar ou pelo menos reduzir a exploração ilegal de madeira na Amazônia, “inclusive em áreas indígenas e unidades de conservação”. Para alguns ambientalistas brasileiros, o Ibama realmente está realizando grandes apreensões de madeira, sobretudo no Estado do Pará. Mas como o órgão não possui condições de ficar com a guarda da madeira, ela acaba ficando ou em prefeituras da região ou com as próprias madeireiras. Do total de mogno apreendido no Pará, mais de 80% já teria ido embora. A exploração, transporte e comércio dessa madeira nobre estão proibidos pelo Ibama desde outubro de 2001, através da Instrução Normativa 17.
Carvalho disse que o Programa de Desenvolvimento Sustentável para a Amazônia Brasileira representa a construção de uma agenda positiva para a região, através da qual o governo tem procurado oferecer iniciativas de uso sustentável de madeira tropical amazônica para substituir o modelo predatório de desmatamento. “Dessa forma, esperamos gerar emprego e renda para a comunidade local, os amazônidas, com a própria floresta e não com sua destruição”, afirmou o ministro.

Governança ambiental

Sobre a governança ambiental, um dos temas largamente discutidos nessa Cúpula de Johannesburgo, tanto por ONGs quanto pelas delegações oficiais dos países, Carvalho afirmou que o Brasil tem um dos sistemas mais avançados nessa área. “A Lei 6938 montou o arcabouço do sistema nacional do meio ambiente, composto por órgãos da administração federal, dos estados e municípios.” Uma das metas do Ministério do Meio Ambiente em Johannesburgo é fazer com que a governança ambiental seja discutida também em nível global.
Nessa primeira semana de discussões na conferência oficial, o ministro brasileiro acha que ainda não se passou da fase de aquecimento e é cedo para saber se o documento final contemplará os pontos defendidos pelas nações em desenvolvimento reunidas no G77, onde, afirma, o Brasil pôde desempenhar um importante papel de liderança. “O processo de negociações é difícil e complexo. Há uma teia de interesses das diversas nações que terão que ser compatibilizados, em busca de um interesse maior que é assegurar as condições de vida no planeta.”
Questionado sobre se tem esperança de que os resultados da Cúpula de Johannesburgo possam representar avanços com relação à Rio-92, Carvalho disse que a conferência só se tornará positiva se for possível chegar ao final com um plano de implementação da Agenda 21 e uma plataforma de ação que assegure a efetividade dos compromissos que foram celebrados no Rio de Janeiro. “Isso realmente fará com que ela seja positiva”, afirmou. “Se nós tivermos qualquer retrocesso aqui com relação àquilo que já foi obtido na Eco-92, eu pessoalmente avalio que o saldo terá sido negativo.”

 




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