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Momesso: campanhas educativas

 

Todos os dias, a cena se repete: uma reunião rápida de última hora, um memorando, um relatório para ser concluído com a máxima urgência ou, simplesmente, por uma questão de opção pessoal, milhares de paulistanos acabam almoçando tarde, entre as 14 e as 15 horas. Em 20 minutos a fome é saciada e, muitas vezes, surge aquele incômodo peso no estômago, um mal-estar que tem origem nessa voracidade causada pela ditadura do relógio. Como se isso não bastasse, uma pesquisa recentemente realizada pelo médico veterinário Alexandre Panov Momesso, pesquisador da Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP), concluiu que almoçar em restaurantes que adotam o sistema self-service, popularmente conhecido como “por quilo”, nesse horário, pode trazer altos riscos à saúde. “Isso ocorre por diversos fatores mas, principalmente, pelo fato dos alimentos ficarem um longo período de tempo expostos e submetidos a temperaturas de conservação inadequadas”, explica Momesso. “Além de coliformes fecais, encontramos uma alta concentração das bactérias Salmonella ssp e Escherichia coli, ambas potenciais causadoras de intoxicações alimentares, que podem gerar diarréias e vômitos e, em casos mais graves, a morte.”

Para a realização da pesquisa, que deu origem à dissertação de mestrado intitulada “Levantamento das temperaturas de distribuição de alimentos, durante o período de serviço de bufê, em restaurantes self-service do Município de São Paulo e pesquisa de agentes patogênicos e indicadores de higiene”, Momesso colheu 80 amostras de um grama cada, de diferentes alimentos (quentes e frios), em 20 restaurantes da capital paulista e durante três horários diferentes: das 11h45 às 13h, das 13h às 14h e das 14h às 15h. O último horário foi o mais problemático: das 44 amostras recolhidas, 34 apresentavam coliformes fecais – cuja presença ou não é indicadora dos níveis de higiene de um alimento –, sendo que algumas apresentaram índices até 10 milhões de vezes acima dos padrões microbiológicos aceitáveis pela legislação brasileira, que variam conforme o tipo de alimento. Muitas amostras também continham a Salmonella e a Escherichia, o que levou o pesquisador a concluir que 79,55% dos alimentos oferecidos nesse horário estavam impróprios para consumo. “Muitos alimentos saem contaminados da cozinha, o que é causado por sua má manipulação ou falta de higiene e passam por uma elevada multiplicação bacteriana em razão do longo tempo de exposição a uma temperatura inadequada”, afirma Momesso. “Do total geral de amostras, apenas 12,5% encontravam-se em temperaturas ideais, ou seja, superiores a 60ºC ou, no caso dos alimentos frios, a menos de 10ºC”, lembra. “Mesmo com deficiências de higiene, a maior parte dos problemas com esses alimentos seria evitada se as temperaturas ideais fossem respeitadas pois, na pior das hipóteses, se não fossem eliminados, os microorganismos não conseguiriam se reproduzir.”

Dados incompletos

Entre os alimentos pesquisados, o que mais apresentou risco de contaminação foi a maionese com legumes. Amostras foram recolhidas em 16 dos 20 restaurantes pesquisados. Em 15 casos (93,7%) as amostras estavam fora do padrão próprio para consumo. Segundo o pesquisador, isso demonstra um alto potencial de contaminação desse prato, possivelmente devido a falhas durante a manipulação ou no processo de higienização das matérias-primas utilizadas. “Os legumes vêm diretamente do solo, o que exige muito cuidado na sua lavagem”, explica Momesso.

Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mostram que, em 2001, a maionese esteve envolvida em 19,4% dos casos de intoxicação alimentar no País. “A contaminação ocorre principalmente devido à Salmonella que, no ano passado, foi responsável por 23,8% dos surtos de doenças veiculadas por alimentos no Brasil”, diz Momesso. “Entretanto, o número de casos registrados ainda está longe de representar a realidade pois a maioria das pessoas que sofre de infecções e intoxicações alimentares dificilmente procura um médico porque acredita, erroneamente, que esses problemas não são tão sérios”, explica. “Ou, quando procuram, muitas vezes os casos são diagnosticados como simples viroses e acabam não sendo notificados e investigados por meio de exames, o que impede as autoridades de obter dados completos sobre a questão.”

Somente para se ter uma idéia do tamanho do problema em 2001, nos Estados Unidos, país com uma situação sanitária e alimentar melhor que a do Brasil, foram notificados 76 milhões de casos de intoxicação e infecção de origem alimentar, com seis mil mortes, para uma população de pouco mais de 281,4 milhões de pessoas. “Nossos números proporcionais devem ser maiores ainda, na medida em que temos problemas mais graves, incluindo um quadro de desnutrição crônica de boa parte da população”, lembra Momesso. “E além das infecções e intoxicações, na literatura médica há casos registrados de pessoas que ficaram muito tempo expostas à Salmonella e desenvolveram, anos mais tarde, artrite, e outras que contraíram, por via alimentar, a bactéria Brucella abortus que, como o próprio nome diz, pode causar abortos em mulheres grávidas.”

Falta de informação

O pesquisador conta que se interessou pelo tema porque é usuário do sistema self-service. “Como sempre almoço nesses locais e como já trabalhava com saúde pública, comecei a desconfiar de que ali poderia haver problemas”, lembra. “A partir daí, graças à colaboração dos donos dos restaurantes, consegui realizar meus estudos.”

De acordo com Momesso, os donos dos restaurantes não agem por má-fé. “Os problemas são fruto da falta de informação”, diz. “A Secretaria Municipal de Abastecimento mantém um curso, cuja freqüência é obrigatória para a concessão do alvará de funcionamento, mas algum problema deve estar ocorrendo”, afirma. “O ideal seria uma revisão desse curso, com aumento de carga horária e a criação de rigorosos exames de avaliação, cuja aprovação permitiria ao comerciante abrir seu restaurante, que deve ser visto não apenas como mais um estabelecimento comercial, mas como um problema de saúde pública.”

Além dos cursos, a pesquisa também apresentou como soluções a instalação de termômetros nos balcões para que o consumidor possa verificar se os alimentos estão sendo mantidos na temperatura ideal, a substituição das bandejas no momento de reposição dos alimentos, a instalação de pias para a lavagem das mãos próximo ao balcão e de proteções de vidro que impeçam a contaminação dos alimentos por saliva e cabelos, e a adoção de campanhas educativas que orientem o consumidor sobre o comportamento que ele deve ter no momento de se servir. “A adoção de termômetros, que devem marcar de 80 a 90ºC para que a temperatura dos alimentos quentes chegue a 60ºC, está prevista no novo código sanitário, que passará a vigorar neste ano em São Paulo”, explica. “Muitos consumidores não lavam as mãos, falam e coçam a cabeça no momento de se servir, o que aumenta as chances de contaminação, daí a importância das campanhas para evitarmos esse tipo de comportamento, prejudicial a todos.”

Os donos de restaurantes e outros interessados em obter mais informações sobre a questão podem telefonar para (11) 5573-5629 ou 9807-0611

 

Excesso de gordura

Outra pesquisa da FSP, feita pela nutricionista Edeli Simioni de Abreu, estudou o hábito que muitos freqüentadores de restaurantes por quilo ou self-service têm de trocar o arroz com feijão por pratos ditos “diferentes”, mais gordurosos e menos saudáveis. “Uma refeição com pouco peso não é lucrativa, o que leva os proprietários a fazerem alimentos com muita gordura e molhos, para que o peso aumente”, diz Edeli. Como todos os alimentos têm o mesmo preço, o consumidor foge do arroz e do feijão, considerados muito comuns. “A pirâmide alimentar sofre uma inversão, pois as refeições com pouco arroz e feijão e mais frituras e molhos têm menos carboidratos e uma densidade energética e de calorias muito alta, que não é benéfica à saúde.”


A densidade energética média das refeições foi de 1.400 calorias, um número muito alto se levarmos em conta que o consumo recomendado é de 2.000 calorias por dia e que um almoço deve preencher 40% dessa necessidade (800 calorias).


Para tornar as refeições mais saudáveis e nutritivas, a pesquisadora sugere que esses restaurantes cobrem preços menores pelo arroz e pelo feijão, para aumentar seu consumo, beneficiando a saúde da população.

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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