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Personagens anônimos se tornam
protagonistas nos livros-reportagem do Projeto São Paulo
de Perfil
Não
sou muito de me orgulhar. Acho orgulho coisa feia e mesquinha. Mas
carrego comigo um, só um único orgulho: de conhecer
São Paulo inteira como a palma da minha mão. Foi aqui
que eu nasci, cresci, trabalhei e me aventurei a viver nas ruas
depois de uma desilusão amorosa. (...) Porém não
consigo entender como eu, que estava dormindo sob a ponte do Piqueri,
estou agora na Teodoro Sampaio... Sim, eu estou em Pinheiros, bem
longe da Marginal Tietê. Como é que vim parar aqui?
Será que eu morri e estou a caminho do Cemitério do
Araçá? (...) Já sei! Já sei! Deus me
deu um segundo tempo, ainda tenho uma chance no Hospital das Clínicas,
só pode ser isso... Esse é apenas um trecho do texto
Diário do silêncio, de Ivy Farias, que
será encenado no primeiro encontro da série Saraus
de Leitura, integrando a programação comemorativa
da Secretaria Municipal da Cultura. Paulo Muzio faz uma leitura
dramática, interpretando um cadáver, isso mesmo, um
ser onipresente e ao mesmo tempo o protagonista da história,
que se passa dentro do Hospital das Clínicas, quando estudantes
vão fazer uma autópsia.
Dodô morreu. Morreu eletrocutado numa caixa de força
da fábrica onde trabalhava como eletricista de manutenção.
Estranho, porque Dodô conhecia tudo de eletricidade, de alta-tensão
e dessas coisas técnicas que só os entendidos entendem.
Seria o menos indicado para morrer de choque, porém triste
destino, morreu. (...) Dodô morreu em hora má. Não
sei se existe hora boa para morrer, do ponto de vista do morto,
mas do ponto de vista dos vivos existe, ora se existe. Dodô
morreu às 3 da tarde. Tumultuou a fábrica, parou a
produção causando prejuízos, criou um constrangimento
para ver quem e como se iria avisar a família, interrompeu
o trânsito na porta da empresa na hora da chegada do rabecão
e obrigou gente que não tinha nada com isso a ficar até
mais tarde esperando a remoção do corpo para o IML.
Esse é o outro texto que será encenado, desta vez
por cinco atores. É Vida, morte e destino,
de Milton Greco, que também aborda a morte, só que
desta vez como ela pode se tornar um incômodo para os habitantes
de São Paulo. Como canta Chico Buarque morreu na rua
atrapalhando o trânsito, música, aliás,
que embala a apresentação.
O
projeto
Os
dois textos foram escolhidos pelo próprio grupo que já
cursou ou está cursando a disciplina optativa Narrativas
da Contemporaneidade, ministrada pela professora Cremilda Medina
na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Tudo
começou com uma tese de doutorado defendida pela jornalista
e pesquisadora na USP em 1986, e já no ano seguinte foi publicado
o primeiro livro-reportagem dos 25 do Projeto São Paulo de
Perfil (o número 26 tem como tema a USP Leste e será
lançado em setembro, veja matéria ao lado). É
um projeto envolvente e um exercício de cidadania,
como diz Katiuscia Lopes, que já está formada, mas
continua participando ativamente, inclusive dos saraus, iniciativa
que partiu dos próprios participantes e foi levada à
subprefeitura de Pinheiros e depois à Secretaria Municipal
da Cultura, se concretizando agora em agosto.
Ainda na década de 80, quando foram realizadas leituras em
escolas, foi detectado que a proximidade do herói com o público
torna a história mais viva. O herói da história
é muito próximo do leitor, e assim a identificação
é maior, afirma Katiuscia. Também traz
a identidade do espaço. Os textos fazem com que as pessoas
se sintam pertencentes a determinado lugar, diz Maria Rita
Marques da Silva, coordenadora do projeto Saraus de Leitura da Secretaria.
E novamente, o projeto de leituras é retomado, desta vez
nas bibliotecas e, como espera Maria Rita, também será
levado aos CEUs, em uma programação que inclui várias
apresentações mensais até dezembro.
Além das encenações, o público vai poder
conhecer a coleção de livros, entre eles, os primeiros,
de 1987, Virado à Paulista Memórias de 17 constituintes
por São Paulo e Vozes da Crise Relatos que interpretam
a crise brasileira; Casa Imaginária (1989), o único
a ser reeditado e que inclusive foi usado como um documento de reivindicação
por parte da população para requerer melhorias no
campo habitacional; Paulicéia Prometida (1990), totalmente
esgotado, com histórias de judeus que chegaram ao Planalto;
À Margem do Ipiranga (1990), o próximo a ser apresentado
nos saraus, na Semana da Pátria, sobre o cotidiano do bairro;
ou ainda o mais recente, de 2003, Caminho do Café
Paranapiacaba: museu esquecido. Todos, uma declaração
de amor a São Paulo!
O
primeiro sarau acontece nesta sexta, às 19h, na Biblioteca
Alceu Amoroso Lima (av. Henrique Schaumann, 777, Pinheiros, tel.
3082-5023) e inclui ainda uma apresentação musical
de cava-quinho, com Bruno Pompeu. E em setembro, já estão
programados mais dois: dia 15, às 15h, na Biblioteca Ministro
Genésio de Almeida Moura (r. Cisplatina, 505, Ipiranga, tel.
273-2390); e dia 24, às 18h, na Biblioteca Anne Frank (r.
Cojuba, 45, Itaim Bibi, tel. 3078-6352). Grátis. Cada livro
custa R$ 10,00 e pode ser solicitado no Fórum Permanente
Interdisciplinar pelo tel. 3091-4882.
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A
USP Leste
Esse
é o tema do próximo livro-reportagem do Projeto
São Paulo de Perfil, que vai mostrar como os habitantes
da Zona Leste vêem a instalação do campus
da Universidade de São Paulo em seu bairro. Seus sonhos,
perspectivas e esperanças de um futuro melhor. USP
Leste e seus vizinhos é o maior de todos os livros
já publicados, com 324 páginas e mais de 20
textos, trazendo os personagens retratados na capa em traços
de Paulo Muzio (que também participa como autor de
No princípio, era o barro, escrevendo sobre
como a região era formada por fazendas).
Há ainda o Padre Ticão, da paróquia São
Miguel, que aparece no texto Do mutirão à
educação, assinado por Pedro Ortiz e Regina
Tavares; e até um urubu em Migração
das aves, terra virgem, de Katiuscia Lopes, que também
escreveu sobre a construção da Universidade
e do próprio sonho em ingressar nela. A obra conta
ainda com a colaboração especial dos pesquisadores
Myriam Krasilchik e Antonio Marcos de Aguirra Massola, que
integram a Comissão Central do Projeto USP Leste.
Tudo foi coletado em várias visitas à comunidade,
à paróquia e instituições da região.
São histórias de vida. Ou como escreve a organizadora
Cremilda Medina na apresentação: ...de
algumas histórias inacabadas da zona leste, narrativas
da contemporaneidade cujos autores, alunos da disciplina que
pesquisa o diálogo social e o signo da relação,
flagram os vizinhos da futura universidade.
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