
Laboratório de informática
Calouros, novatos? Não, nada disso. Ano
que vem não vamos ser veteranos, mas fundadores,
diz, com inegável orgulho, Rafael Antônio Silva, 19
anos, um dos 1.020 alunos que há um mês estão
fundando o campus da USP em Ermelino Matarazzo, na zona
leste de São Paulo. Ao seu lado, Priscila Silva Bueno, aluna
de Gestão Ambiental, também de 19 anos, comenta que
é difícil entrar num curso que não tem veteranos
para ensinar o caminho das pedras a quem chega. Mas
nem Rafael nem Priscila ou seus colegas da Escola de Artes, Ciências
e Humanidades (EACH) enxergam isso como um problema.
Na verdade, o sentimento não só deles, mas
de todos os envolvidos no nascimento da USP Leste é
de grande entusiasmo em fazer parte desse momento histórico.
De fato estamos muito contentes, porque a receptividade foi
muito melhor do que a gente imaginava, diz a professora Valéria
Amorim Arantes, coordenadora do Ciclo Básico da nova unidade
e docente na pós-graduação da Faculdade de
Educação da USP. Os estudantes estão
felizes. Você sente aqui um clima muito positivo. Essa
impressão vem desde a aula inaugural, proferida no dia 28
de fevereiro pela professora Myriam Krasilchick, presidente da Comissão
Central responsável pela implantação da unidade.
Já no primeiro dia percebi a emoção da
professora Myriam falando do projeto. Os professores estão
muito empolgados, avalia a estudante Priscila.
Caçulas
Para os alunos fundadores, o fato de estar na Universidade
de São Paulo é o motivo principal de um entusiasmo
que vai muito além da inclusão do nome numa lista
de aprovados. No futuro vou dizer que sou programador formado
pela USP e isso tem muito peso. Não existe um curso como
esse, comenta Rafael, que ingressou na carreira de Sistemas
de Informação. Para Paulo Roberto Costa e Silva, que
aos 21 anos ingressou em Licenciatura em Ciências da Natureza,
a missão da nova unidade vai muito além
dos seus muros. O pessoal da periferia não sabe o que
é a USP, acha que é um bem inacessível,
diz. Oriundo de escola pública, Paulo chegou a fazer cursinho
e durante um ano estudou sozinho, até conquistar o sonho
de entrar na universidade pública. Ele acredita que os próprios
fundadores poderiam pensar em criar cursinhos comunitários
ou atuar nos já existentes para favorecer o acesso de estudantes
de todos os segmentos aos cursos públicos.
O que diz o estudante é reflexo da proposta da origem da
nova unidade, como atesta, num artigo publicado na Folha de S. Paulo,
o professor Celso de Barros Gomes, coordenador geral do projeto
USP Leste: Ainda com muitas incertezas pela frente, a Universidade
de São Paulo cumpre, uma vez mais, o papel histórico
de ampliar e descentralizar suas atividades de ensino, pesquisa
e prestação de serviços, levando-as, porém,
nesta oportunidade, para mais perto dos segmentos menos favorecidos
da população.
Os estudantes têm expectativa de que em breve esteja funcionando
plenamente o Centro Acadêmico (CA) da EACH, para o qual já
prevêem tarefas como reduzir o preço do xerox e promover
maior integração com os CAs do campus do Butantã.
Não queremos discriminação nem divisão,
diz Priscila. Para Rafael, é preciso que os fundadores
sejam vistos como irmãos caçulas pelos
veteranos das outras unidades. Não queremos ficar com
essa marca de USP Leste como se fosse uma divisão.
Senão, vamos chamar os outros de USP Velho Oeste,
brinca Rafael.

estudantes
fazendo trabalhos em grupo, uma prática comum na EACH: professores
e alunos estão empolgados com a perspectiva de dar início
à história da USP Leste
Resolver
problemas
O acesso via transporte público ao campus, localizado nas
proximidades do Parque Ecológico do Tietê e às
margens da rodovia Ayrton Senna, é o principal problema citado
pelos estudantes. Ao curso e à infra-estrutura da USP Leste,
Pedro Nakamura, 18 anos, também do curso de Sistemas de Informação,
só faz elogios. Todas as salas têm computador,
datashow, som etc., diz. O problema, para ele, morador do
Butantã e vizinho da USP na zona oeste, é o tempo
necessário para os deslocamentos de ida e volta. Muitos estudantes
se valem do serviço da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos
(CPTM), indo até a Estação Engenheiro Goulart
e depois tomando os circulares gratuitos que levam ao campus. A
precariedade dos trens e das estações é o alvo
da queixa dos alunos. A melhoria do serviço e a construção
da Estação USP Leste foram prometidas pelo governador
Geraldo Alckmin na inauguração da unidade, no dia
27 de fevereiro. Além do transporte, outra dificuldade é
quanto à iluminação dos acessos e das imediações
do campus, o que tem preocupado aqueles que freqüentam os cursos
noturnos.
Uma das ênfases do projeto pedagógico é a Resolução
de Problemas. Essa disciplina é uma inovação
metodológica e visa a colocar os alunos em contato direto
com o objeto de seu trabalho, diz José Verissimo, 24
anos, tutor da disciplina na EACH e aluno do mestrado em Ciência
Política na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH) da USP. Eu não acreditava que essa
proposta de protagonismo poderia ser tão bem aceita desde
o início, inclusive pelo corpo docente. É uma disciplina
que vai somar para a formação de cidadãos mais
críticos.
As aulas são em turmas de 60 alunos de diferentes carreiras,
divididos em grupos de 12 aí sim do mesmo curso ,
que se debruçam sobre um tema específico, o seu problema.
Algumas das idéias que já surgiram para objeto de
estudo incluem as questões sociais das comunidades do entorno,
como as ruas de lazer no bairro de Ermelino Matarazzo ou o impacto
da tecnologia no Jardim Keralux, bairro carente vizinho do campus.
Ainda no início do primeiro ano de estágio na co.

Rafael, Paulo, Pedro e Priscila: entusiasmo com o novo campus
Um
desafio para alunos e professores
Integrante
da equipe que participou da USP Leste desde os primeiros passos,
a professora Valéria Amorim Arantes é outra
contaminada pelo entusiasmo com o projeto que,
saído de um longo planejamento de três anos,
há apenas um mês começou a se tornar realidade.
Ela é coordenadora do Ciclo Básico, ministrado
a todos os alunos e cuja arquitetura está sustentada
em três grandes eixos: a formação geral,
cujo objetivo é dar aos estudantes uma base geral ampla,
que aponte a complexidade dos fenômenos naturais, sociais
e culturais; a formação introdutória
no campo específico de conhecimento de cada curso,
para levar os estudantes a tomar contato com as bases conceituais
do curso; e a formação científica por
meio da Resolução de Problemas, com base na
tradição da USP de promover e incentivar a iniciação
científica dos alunos. Essa abordagem científica
dos projetos desde o início vai nos ajudar muito,
afirma
Paulo Roberto Costa e Silva, da Licenciatura em Ciências
da Natureza.
Uma das ferramentas colocadas à disposição
é o Curso On Line (COL). Por meio de um programa elaborado
pela Escola Politécnica da USP, todos os alunos se
cadastram e cada disciplina tem um espaço em que o
professor disponibiliza bibliografia e materiais diversos,
além de entrar em contato com os estudantes via computador.
Os alunos trabalham muito fora do horário de
aula, afirma a professora Valéria e podem
fazê-lo utilizando a infra-estrutura dos laboratórios
de informática do campus: quatro salas com 30 micros
em cada uma, funcionando das 8 horas às 22h30.
Protagonismo é uma palavra-chave desde a concepção
da USP Leste. Queremos dar um papel ativo, em que os
alunos sejam de fato atuantes em todo o processo e tenham
que pensar, refletir, argumentar, contra-argumentar e exercer
o senso crítico, diz a coordenadora. Para os
professores também é um desafio, não
só pelo fato de que em algumas aulas há mais
de um docente de cursos diferentes na mesma sala, mas também
porque é preciso desacostumar-se à situação
de ser a única voz a falar. Essa capacidade dialógica
precisa ser construída. Nossa cultura é de um
trabalho mais individualizado.
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