PROCURAR POR
 NESTA EDIÇÃO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Os arquitetos da Poli – Ensino e profissão em São Paulo, de Sylvia Ficher, Edusp, 420 páginas,
R$ 185,00.


As obras dos arquitetos da Escola Politécnica, retratadas no livro, contam a rica história da urbanização de São Paulo: instituição mudou a face da cidade

A proeza de pesquisar uma história com tantos detalhes que flui em histórias infinitas. E o mais importante: capaz de despertar a reflexão da responsabilidade da própria trajetória. É esse o contexto de Os arquitetos da Poli – Ensino e profissão em São Paulo, de Sylvia Ficher, recentemente lançado pela Editora da USP (Edusp). Apresenta um estudo minucioso sobre o ensino de arquitetura na primeira instituição que ofereceu tal especialização em São Paulo, a Escola Politécnica da USP, e sobre a influência desse ensino na atuação dos arquitetos paulistanos. Ao mesmo tempo, pontua a trajetória de 129 mestres da Poli que participaram ativamente da construção de São Paulo.

Ramos de Azevedo, Victor Dubugras, Alexandre Albuquerque, Vilanova Artigas, Luís Saia, Luiz Ignácio de Anhaia Mello e Francisco Prestes Maia, entre outros. Professores e profissionais de talento que transformaram a cidade com seus projetos, ousadia, sonhos. Como bem lembra Sylvia, num país onde, apesar de seus mais de 500 anos de existência, se cultiva a imagem de uma narcisista juventude, é sempre surpreendente o encontro com uma instituição centenária como a Escola Politécnica. Um encontro que revela também a importância dos 70 anos da USP. “Este livro é um estudo sobre a profissão de arquiteto e o ensino institucional de arquitetura na cidade de São Paulo na primeira metade do século 20”, explica a autora. “Seu objeto central é o curso de engenheiro-arquiteto da Escola Politécnica, em funcionamento de 1894 a 1954, ainda que para sua preparação tenham sido pesquisados também o curso de engenheiro-arquiteto da Escola de Engenharia Mackenzie, oferecido de 1917 a 1946, e o curso de arquiteto da Escola de Belas Artes de São Paulo, criado por volta de 1928 e existindo até 1934.”

Sylvia apresenta uma série de fenômenos sociais determinados no espaço e no tempo que em geral levam o nome de arquitetura. “Afinal, a esfera nesse campo é vasta e sua existência na história dos homens deixa indícios nada tênues que afetam tanto a natureza quanto a cultura.” Relações de trabalho, convenções sociais, articulações políticas, jogos de interesses pessoais e de grupos, recursos materiais, usos, costumes e modas, forças econômicas e problemas técnicos estão no dia-a-dia desses profissionais. Sylvia procura contextualizar esse cotidiano no ritmo da cidade daquela época. Busca, ainda, estabelecer relações políticas, econômicas e sociais entre formação institucional e atividade profissional, abordando temas como mercado de trabalho, atuação profissional e organização da profissão, estética e pensamento arquitetônico, pensamento urbanístico, aspectos legais do ensino superior, da profissão e da construção.

O texto está organizado em três capítulos. O primeiro, “A consolidação do mercado de trabalho: 1894-1947”, mostra as atividades de construção, tanto públicas como particulares, no Estado e na cidade. O segundo capítulo, “A associação profissional: 1916-1933”, apresenta um histórico das agremiações de classe e da regulamentação legal do exercício das profissões de engenheiro e arquiteto no Brasil. E o último capítulo, “A divisão da profissão: 1934-1947”, analisa as relações entre regulamentação profissional, estética moderna e delimitação liberal do campo de atuação dos arquitetos.

 




O perfil de uma cidade

O que torna a pesquisa de Sylvia Ficher mais interessante é a forma como lembra a história dos arquitetos da Poli. O primeiro deles é Ramos de Azevedo, cujo perfil começa a ser delineado por um discurso de Carlos William Stevenson – um dos engenheiros da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro –, proferido em 1929:

Tinha a capital paulista, na marcha retardada para o progresso, largo espaço perdido em longos anos de modorrento avançar. Havia faltado o homem. Esse homem surgiu por fim, na inconfundível figura do jovem arquiteto campineiro – foi o doutor Ramos de Azevedo esse predestinado.

E ninguém soube melhor viver o tempo e no seu tempo que o conspícuo construtor. Multiplicou-se para agir. Criou um mundo novo, uma vida inteiramente nova. Forjou o meio e os homens, fez o artesão e o mestre, a oficina e o artista. Reformou o gosto, despertou o anseio, hoje comum entre nós, do conforto, do bem-estar e do luxo, característicos das sociedades avançadas.

E foi movendo as falanges proletárias que em torno dele se formaram que o detentor da mais bela das vitórias conquistadas bloqueou e venceu a capital paulista, a todos surpreendeu e dominou, demoliu e arrasou o casario desairoso e velho, e em seu lugar plantou a semente fecunda do gênio, capaz da obra prodigiosa e inédita, que São Paulo ostenta aos olhos do mundo.

Sylvia apresenta detalhes da vida desse paulista de Campinas. Desde 1872, quando trabalhava como ajudante de engenheiro na Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, até 1890, quando se tornou um importante empresário, com mais de 500 operários trabalhando em suas obras, Ramos de Azevedo foi ostentando São Paulo aos olhos do mundo – como disse Stevenson no descerramento do seu retrato, no Instituto de Engenharia, em 1929. O Liceu de Artes e Ofícios, atual Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Teatro Municipal e o prédio dos Correios e Telégrafos, entre outras obras públicas e palacetes que espalhou pela cidade, são alguns exemplos de seus conceitos de beleza, estética e urbanismo. “Foi um dos fundadores da Escola Politécnica, cujas reuniões preliminares eram realizadas em sua própria casa, contando com a presença de Paula Souza, Luiz de Anhaia Mello, Ataliba Baptista de Oliveira Valle, Augusto e Francisco Ferreira Ramos, Manoel Ferreira Garcia Redondo e João Pereira Ferraz, entre outros”, observa a autora. “Dentre suas primeiras tarefas na escola, apresentou, com Pereira Ferraz e Ferreira Ramos, um parecer à Câmara Municipal sobre o emprego de calçamento de asfalto na pavimentação das ruas da cidade.”

Segundo a pesquisadora, quando Ramos de Azevedo se afastou da regência de sua cadeira em 1928, fez um donativo, pago em duas prestações, para os laboratórios da Politécnica, que equivalia ao valor de seus honorários de professor durante o seu exercício. Morreu, poucos meses depois, em Santos, no dia 13 de junho de 1928. Parte de sua biblioteca foi doada à Politécnica. Seu retrato na galeria dos antigos diretores é de autoria de Enrico Vio. “Ramos de Azevedo foi, sem dúvida, o principal arquiteto de São Paulo durante a Primeira República. Parente e amigo de líderes políticos, como o Visconde de Parnaíba, Francisco Glycerio e Alfredo Maya, e de empresários como Numa de Oliveira e os Dumont Villares, foi homem de imenso prestígio e membro insigne da elite paulista.”



Grandes mestres e alunos

O livro Os arquitetos da Poli deixa clara a importância da Escola Politécnica como referência no ensino da arquitetura e da engenharia e, ao mesmo tempo, para o desenvolvimento da cidade. O italiano Domiziano Rossi, arquiteto formado em Gênova, foi contratado pela Escola Politécnica como professor da disciplina Desenho de Mão Livre e Geométrico Elementar. Ao mesmo tempo, trabalhava com Ramos de Azevedo e era o seu principal projetista, participando na elaboração de quase todas as obras, como o atual edifício Paula Souza, na avenida Tiradentes, construído de 1890 a 1898, o Liceu de Artes e Ofícios, no Jardim da Luz, iniciado em 1897, e o Colégio Nossa Senhora do Sion, na avenida Higienópolis.

Outro professor que também lecionou na Escola Politécnica e trabalhou com Ramos de Azevedo foi Victor Dubugras, considerado o mais criativo dos arquitetos de São Paulo durante a Primeira República. Era professor de Trabalhos Gráficos Correspondentes e Projetos de Construção e Desenho de Máquinas. “Entre seus alunos circulavam anedotas sobre seu comportamento temperamental com clientes e seu alto nível de exigência quanto à qualidade de acabamento de suas construções. Era visto como um arquiteto progressista”, afirma Sylvia.

Dubugras, considerado o precursor da arquitetura moderna no Brasil, proporcionou aos alunos elementos básicos de estética e composição arquitetônica, além de uma técnica primorosa de desenho e aquarela. A sua obra mais conhecida é a Estação Ferroviária de Mairinque. Victor Dubugras teve sua obra reconhecida com diversos prêmios nacionais e internacionais. Fundou, em 1911, a Sociedade dos Arquitetos e Engenheiros de São Paulo e, em 1916, o Instituto de Engenharia.

 





As lições de Ramos de Azevedo, Domiziano Rossi e Victor Dubugras formaram alunos e mestres brilhantes. Entre os diplomados da Escola Politécnica pesquisados no livro está Francisco Prestes Maia, que recebeu título de engenheiro arquiteto e civil em 1917. Um ano depois, abriu uma firma própria de negócios imobiliários e entrou para a diretoria da Secretaria de Viação e Obras Públicas. Muito mobilizado politicamente, sobressaiu-se como urbanista, administrador e executor de obras públicas. Após a instauração do Estado Novo, Prestes Maia assumiu a Prefeitura de São Paulo, de 27 de abril de 1938 a 4 de junho de 1941. “A sua gestão se caracterizou por uma administração saneadora dos recursos financeiros do município e pela realização intensiva das obras de remodelação urbana e que até hoje determinam a feição da área central de São Paulo”, afirma Sylvia. “Personalista e centralizador, foi um grande reformador urbano, preocupado em reanimar o mercado imobiliário pelo aumento dos índices de adensamento e em melhorar as condições de tráfego pela abertura de novas avenidas, chegando a iniciar a construção da infra-estrutura de um sistema rápido de transportes coletivos, que não chegou a ser concluído.”

Além de dar o conhecimento técnico para grandes urbanistas e políticos, a Escola Politécnica continuou na sua travessia. Os arquitetos da Poli leva a uma reflexão sobre a trajetória dos grandes mestres e alunos. Essa pesquisa de Sylvia resulta da sua tese de doutorado, apresentada em 1989 no Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “Ainda que as pesquisas sobre a história arquitetônica e urbana de São Paulo, em geral, e sobre a Escola Politécnica, em particular, tenham se avolumado na última década, mantive o texto original com um mínimo de alterações”, ela informa.

 

 

ir para o topo da página


O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
[EXPEDIENTE] [EMAIL]