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As obras dos arquitetos da Escola Politécnica,
retratadas no livro, contam a rica história da urbanização
de São Paulo: instituição mudou a face da cidade
A
proeza de pesquisar uma história com tantos detalhes que
flui em histórias infinitas. E o mais importante: capaz de
despertar a reflexão da responsabilidade da própria
trajetória. É esse o contexto de Os arquitetos da
Poli Ensino e profissão em São Paulo, de Sylvia
Ficher, recentemente lançado pela Editora da USP (Edusp).
Apresenta um estudo minucioso sobre o ensino de arquitetura na primeira
instituição que ofereceu tal especialização
em São Paulo, a Escola Politécnica da USP, e sobre
a influência desse ensino na atuação dos arquitetos
paulistanos. Ao mesmo tempo, pontua a trajetória de 129 mestres
da Poli que participaram ativamente da construção
de São Paulo.
Ramos de Azevedo, Victor Dubugras, Alexandre Albuquerque, Vilanova
Artigas, Luís Saia, Luiz Ignácio de Anhaia Mello e
Francisco Prestes Maia, entre outros. Professores e profissionais
de talento que transformaram a cidade com seus projetos, ousadia,
sonhos. Como bem lembra Sylvia, num país onde, apesar de
seus mais de 500 anos de existência, se cultiva a imagem de
uma narcisista juventude, é sempre surpreendente o encontro
com uma instituição centenária como a Escola
Politécnica. Um encontro que revela também a importância
dos 70 anos da USP. Este livro é um estudo sobre a
profissão de arquiteto e o ensino institucional de arquitetura
na cidade de São Paulo na primeira metade do século
20, explica a autora. Seu objeto central é o
curso de engenheiro-arquiteto da Escola Politécnica, em funcionamento
de 1894 a 1954, ainda que para sua preparação tenham
sido pesquisados também o curso de engenheiro-arquiteto da
Escola de Engenharia Mackenzie, oferecido de 1917 a 1946, e o curso
de arquiteto da Escola de Belas Artes de São Paulo, criado
por volta de 1928 e existindo até 1934.
Sylvia apresenta uma série de fenômenos sociais determinados
no espaço e no tempo que em geral levam o nome de arquitetura.
Afinal, a esfera nesse campo é vasta e sua existência
na história dos homens deixa indícios nada tênues
que afetam tanto a natureza quanto a cultura. Relações
de trabalho, convenções sociais, articulações
políticas, jogos de interesses pessoais e de grupos, recursos
materiais, usos, costumes e modas, forças econômicas
e problemas técnicos estão no dia-a-dia desses profissionais.
Sylvia procura contextualizar esse cotidiano no ritmo da cidade
daquela época. Busca, ainda, estabelecer relações
políticas, econômicas e sociais entre formação
institucional e atividade profissional, abordando temas como mercado
de trabalho, atuação profissional e organização
da profissão, estética e pensamento arquitetônico,
pensamento urbanístico, aspectos legais do ensino superior,
da profissão e da construção.
O texto está organizado em três capítulos. O
primeiro, A consolidação do mercado de trabalho:
1894-1947, mostra as atividades de construção,
tanto públicas como particulares, no Estado e na cidade.
O segundo capítulo, A associação profissional:
1916-1933, apresenta um histórico das agremiações
de classe e da regulamentação legal do exercício
das profissões de engenheiro e arquiteto no Brasil. E o último
capítulo, A divisão da profissão: 1934-1947,
analisa as relações entre regulamentação
profissional, estética moderna e delimitação
liberal do campo de atuação dos arquitetos.
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O
perfil de uma cidade
O que torna a pesquisa de Sylvia Ficher mais interessante é
a forma como lembra a história dos arquitetos da Poli. O
primeiro deles é Ramos de Azevedo, cujo perfil começa
a ser delineado por um discurso de Carlos William Stevenson
um dos engenheiros da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro ,
proferido em 1929:
Tinha
a capital paulista, na marcha retardada para o progresso, largo
espaço perdido em longos anos de modorrento avançar.
Havia faltado o homem. Esse homem surgiu por fim, na inconfundível
figura do jovem arquiteto campineiro foi o doutor Ramos de
Azevedo esse predestinado.
E ninguém soube melhor viver o tempo e no seu tempo que o
conspícuo construtor. Multiplicou-se para agir. Criou um
mundo novo, uma vida inteiramente nova. Forjou o meio e os homens,
fez o artesão e o mestre, a oficina e o artista. Reformou
o gosto, despertou o anseio, hoje comum entre nós, do conforto,
do bem-estar e do luxo, característicos das sociedades avançadas.
E foi movendo as falanges proletárias que em torno dele se
formaram que o detentor da mais bela das vitórias conquistadas
bloqueou e venceu a capital paulista, a todos surpreendeu e dominou,
demoliu e arrasou o casario desairoso e velho, e em seu lugar plantou
a semente fecunda do gênio, capaz da obra prodigiosa e inédita,
que São Paulo ostenta aos olhos do mundo.
Sylvia
apresenta detalhes da vida desse paulista de Campinas. Desde 1872,
quando trabalhava como ajudante de engenheiro na Companhia Mogiana
de Estradas de Ferro, até 1890, quando se tornou um importante
empresário, com mais de 500 operários trabalhando
em suas obras, Ramos de Azevedo foi ostentando São Paulo
aos olhos do mundo como disse Stevenson no descerramento
do seu retrato, no Instituto de Engenharia, em 1929. O Liceu de
Artes e Ofícios, atual Pinacoteca do Estado de São
Paulo, o Teatro Municipal e o prédio dos Correios e Telégrafos,
entre outras obras públicas e palacetes que espalhou pela
cidade, são alguns exemplos de seus conceitos de beleza,
estética e urbanismo. Foi um dos fundadores da Escola
Politécnica, cujas reuniões preliminares eram realizadas
em sua própria casa, contando com a presença de Paula
Souza, Luiz de Anhaia Mello, Ataliba Baptista de Oliveira Valle,
Augusto e Francisco Ferreira Ramos, Manoel Ferreira Garcia Redondo
e João Pereira Ferraz, entre outros, observa a autora.
Dentre suas primeiras tarefas na escola, apresentou, com Pereira
Ferraz e Ferreira Ramos, um parecer à Câmara Municipal
sobre o emprego de calçamento de asfalto na pavimentação
das ruas da cidade.
Segundo a pesquisadora, quando Ramos de Azevedo se afastou da regência
de sua cadeira em 1928, fez um donativo, pago em duas prestações,
para os laboratórios da Politécnica, que equivalia
ao valor de seus honorários de professor durante o seu exercício.
Morreu, poucos meses depois, em Santos, no dia 13 de junho de 1928.
Parte de sua biblioteca foi doada à Politécnica. Seu
retrato na galeria dos antigos diretores é de autoria de
Enrico Vio. Ramos de Azevedo foi, sem dúvida, o principal
arquiteto de São Paulo durante a Primeira República.
Parente e amigo de líderes políticos, como o Visconde
de Parnaíba, Francisco Glycerio e Alfredo Maya, e de empresários
como Numa de Oliveira e os Dumont Villares, foi homem de imenso
prestígio e membro insigne da elite paulista.
Grandes
mestres e alunos
O livro Os arquitetos da Poli deixa clara a importância da
Escola Politécnica como referência no ensino da arquitetura
e da engenharia e, ao mesmo tempo, para o desenvolvimento da cidade.
O italiano Domiziano Rossi, arquiteto formado em Gênova, foi
contratado pela Escola Politécnica como professor da disciplina
Desenho de Mão Livre e Geométrico Elementar. Ao mesmo
tempo, trabalhava com Ramos de Azevedo e era o seu principal projetista,
participando na elaboração de quase todas as obras,
como o atual edifício Paula Souza, na avenida Tiradentes,
construído de 1890 a 1898, o Liceu de Artes e Ofícios,
no Jardim da Luz, iniciado em 1897, e o Colégio Nossa Senhora
do Sion, na avenida Higienópolis.
Outro professor que também lecionou na Escola Politécnica
e trabalhou com Ramos de Azevedo foi Victor Dubugras, considerado
o mais criativo dos arquitetos de São Paulo durante a Primeira
República. Era professor de Trabalhos Gráficos Correspondentes
e Projetos de Construção e Desenho de Máquinas.
Entre seus alunos circulavam anedotas sobre seu comportamento
temperamental com clientes e seu alto nível de exigência
quanto à qualidade de acabamento de suas construções.
Era visto como um arquiteto progressista, afirma Sylvia.
Dubugras, considerado o precursor da arquitetura moderna no Brasil,
proporcionou aos alunos elementos básicos de estética
e composição arquitetônica, além de uma
técnica primorosa de desenho e aquarela. A sua obra mais
conhecida é a Estação Ferroviária de
Mairinque. Victor Dubugras teve sua obra reconhecida com diversos
prêmios nacionais e internacionais. Fundou, em 1911, a Sociedade
dos Arquitetos e Engenheiros de São Paulo e, em 1916, o Instituto
de Engenharia.
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As lições de Ramos de Azevedo, Domiziano Rossi e Victor
Dubugras formaram alunos e mestres brilhantes. Entre os diplomados
da Escola Politécnica pesquisados no livro está Francisco
Prestes Maia, que recebeu título de engenheiro arquiteto
e civil em 1917. Um ano depois, abriu uma firma própria de
negócios imobiliários e entrou para a diretoria da
Secretaria de Viação e Obras Públicas. Muito
mobilizado politicamente, sobressaiu-se como urbanista, administrador
e executor de obras públicas. Após a instauração
do Estado Novo, Prestes Maia assumiu a Prefeitura de São
Paulo, de 27 de abril de 1938 a 4 de junho de 1941. A sua
gestão se caracterizou por uma administração
saneadora dos recursos financeiros do município e pela realização
intensiva das obras de remodelação urbana e que até
hoje determinam a feição da área central de
São Paulo, afirma Sylvia. Personalista e centralizador,
foi um grande reformador urbano, preocupado em reanimar o mercado
imobiliário pelo aumento dos índices de adensamento
e em melhorar as condições de tráfego pela
abertura de novas avenidas, chegando a iniciar a construção
da infra-estrutura de um sistema rápido de transportes coletivos,
que não chegou a ser concluído.
Além de dar o conhecimento técnico para grandes urbanistas
e políticos, a Escola Politécnica continuou na sua
travessia. Os arquitetos da Poli leva a uma reflexão sobre
a trajetória dos grandes mestres e alunos. Essa pesquisa
de Sylvia resulta da sua tese de doutorado, apresentada em 1989
no Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Ainda que as pesquisas
sobre a história arquitetônica e urbana de São
Paulo, em geral, e sobre a Escola Politécnica, em particular,
tenham se avolumado na última década, mantive o texto
original com um mínimo de alterações,
ela informa.
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