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Uma data para comemorar e lembrar. O aniversário de 90 anos daquele que ganhou de várias gerações de estudantes o título de Professor das Arcadas teve o brilho das grandes ocasiões. No dia 16 de maio, o salão Visconde de São Leopoldo da Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, abriu suas portas para receber personalidades, estudantes, amigos e admiradores que prestigiaram, além da comemoração, o lançamento de mais um livro de Goffredo da Silva Telles Júnior. Estudos, da Editora Juarez de Oliveira, é uma compilação de 11 artigos revistos e atualizados que reúne as idéias-chave do professor e mostra como o pensador, político, escritor e advogado mantém ativa a vida intelectual, apesar das dificuldades de locomoção que o impediram de estar presente à cerimônia. Sua participação decisiva em episódios marcantes da história do Brasil estão contadas em detalhes no seu site (www.goffredotellesjr.adv.br), lançado também durante a cerimônia organizada pela Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito e pelo Centro Acadêmico XI de Agôsto.

 

Símbolo da liberdade

A esposa Maria Eugênia e a filha Olívia, ambas formadas no Largo São Francisco, receberam os cumprimentos, entre outros, do professor da Casa e ex-ministro de Relações Exteriores Celso Lafer, do ex-deputado federal Plínio de Arruda Sampaio, do senador Eduardo Suplicy, do ex-presidente da OAB-SP João Roberto Egydio Piza Fontes, do deputado federal Michel Temer (PMDB-SP), do professor Dalmo de Abreu Dallari – também da Faculdade de Direito da USP – e do juiz do Superior Tribunal Militar Flávio Flores da Cunha Bierrenbach.

“O professor Goffredo da Silva Telles é um dos símbolos maiores do direito, da Constituição, da democracia e da liberdade”, disse Suplicy ao Jornal da USP. “Quando, no início dos anos 80, a sociedade brasileira se mobilizou em favor da emenda pelas Diretas-Já e, em 1992, se mobilizou por ética na política, nós tivemos no professor Silva Telles um dos esteios maiores da campanha.”

Pracinha da Revolução de 1932, Silva Telles se comporta como um soldado das grandes questões sociais. Entre as mais recentes causas que já encampou no “território livre” da Academia de Direito de São Paulo e das Arcadas, figura a contestação judicial da privatização da Companhia Vale do Rio Doce, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Poucos assuntos não mereceram um parecer de Silva Telles. Quando Suplicy ocupou a presidência da Câmara Municipal de São Paulo, conta que, entre outros tópicos, consultou o professor e também advogado Fábio Konder Comparato sobre a divulgação dos salários dos servidores no Diário Oficial da Câmara. “Disseram que a transparência era um direito do povo e assim publicamos os salários e as responsabilidades de cada um”, conta o senador.

Paraninfo da turma de 1964 da Faculdade de Direito da USP, um dos legados de Silva Telles foi passar para os formandos “a idéia de que o direito é uma aspiração permanente de justiça”, afirma Celso Lafer, que recebeu o canudo naquele ano. Lafer conta que a imagem marcante que guarda de Silva Telles está associada “ao extraordinário professor” que, depois de 50 anos de magistério, ainda está presente na faculdade e ligado aos seus alunos, apesar de ter se aposentado em 1984. “É por isso que ele foi, antes de mais nada, um professor de iniciação ao direito, no sentido forte do termo. Ele combinou sempre o rigor ao calor de uma palavra jovem voltada justamente para essa aspiração da justiça”, disse Lafer.

Ex-alunos e convidados demonstraram o carinho pelo mestre, cantando algumas trovas tradicionais do cancioneiro das Arcadas. Entre ex-alunos ilustres, o ex-presidente da OAB-SP João Roberto Egydio Piza Fontes guarda recordações inspiradas. “O professor Goffredo da Silva Telles é uma das figuras humanas mais sofisticadas e mais importantes da história do pensamento jurídico da América Latina”, disse Piza Fontes. “É um dos homens para quem a República muito deve e de quem a nação provavelmente pouco se lembra. Ele é um verdadeiro testemunho pessoal de vida e de compromisso, tanto com nosso país como com seus alunos. É um homem de muitas vidas e muitas lutas, todas ricas, todas brilhantes e todas enriquecedoras da alma dos brasileiros comuns como eu, que tive somente a ventura de ser seu aluno, seu companheiro de jornada e seu eterno admirador.”



A filha Olívia e a mulher Maria Eugênia: trajetória marcada pela dignidade

 

Disciplina do amor

Condecorado Advogado Símbolo da OAB-SP em 1987, Silva Telles resumiu em poucas palavras ao Jornal da USP, por telefone, o que considera ser o fundamento essencial do direito: “O direito é uma disciplina do comportamento, da convivência entre os seres humanos. Estes, por natureza, foram feitos por disposição genética a viver em sociedade. Por isso, é necessária uma disciplina, sem a qual a sociedade seria impossível. A disciplina da convivência humana exige, em primeiro lugar, o respeito de uns pelos outros e sua aplicação na ordenação jurídica se funda no sentimento de respeito de uns pelos outros. O pensador que medita sobre essas coisas vai encontrar no fundo desse respeito um outro sentimento: o sentimento original que reside secretamente no íntimo das pessoas, que é o amor. Este é, em verdade, o impulso da alma que implica o respeito de uns pelos outros. Assim, o sentimento do amor é o primeiro fundamento de toda ordem jurídica. É como está narrado numa velha história de um homem desvairado que pergunta a Jesus o que é preciso para ser feliz e Jesus responde: ‘Ama teu próximo como a ti mesmo’”. É por isso que, quando assumiu a cadeira de deputado federal, entre 1945 e 1951, Silva Telles requereu que se pusesse detrás da mesa presidencial um crucifixo, como “símbolo do fundamento das leis das quais o Parlamento é o autor”, diz.

Silva Telles causou furor com as idéias apresentadas no livro Direito quântico – Ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. O professor explica: “A descoberta de que o núcleo das células possui dois ácidos, um deles o DNA, revolucionou a biologia moderna. Esses ácidos determinam as tendências fundamentais da personalidade humana e, portanto, passam a ser ferramentas importantes do comportamento do homem e da mulher em convivência. O direito não poderia se apartar dessa realidade científica que em 1950 começou a ser publicada nas revistas de ciências. Os juristas levaram muito tempo para se certificar da necessidade de incorporar essas novas idéias à teoria do direito”.

A Carta aos brasileiros, de 1977, documento subscrito por diversas personalidades e professores e que despertou interesse em todo o Brasil e no exterior, foi lida por Silva Telles no dia 8 de agosto no pátio das Arcadas. Em plena ditadura militar, expôs dentro de princípios científicos a legitimidade das leis e da Constituição, as quais geram democracia e impulsionam o desenvolvimento humano e econômico. Em sessão solene, leu em 1993 a Segunda carta aos brasileiros, em defesa da Constituição. Quando viu a nova Carta promulgada, em 5 de outubro de 1988, fundou o Círculo das Quartas-Feiras, que discutiu por longos anos as principais questões da soberania e da cidadania.

Da fase em que Silva Telles ainda lecionava nas Arcadas, Piza Fontes, o ex-presidente da OAB-SP, guarda como aluno uma imagem pessoal marcante do professor ilustre, a da “coragem pessoal fora do comum no enfrentamento da ditadura militar”, conta. “Muitos que hoje estão aqui não tiveram essa mesma coragem e é bom que se frise isso, para que a nossa memória não seja turbada pelas homenagens.”



A cerimônia na Faculdade de Direito: o amor como fundamento do direito

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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