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Maria Luiza: ensino gasta muito

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Colégio dos Jesuítas foi a única instituição formal de ensino nos primeiros 250 anos da história do Brasil


E
m 1612, o ducado de Weimar, no território da atual Alemanha, ordenou que todas as crianças de 6 a 12 anos deveriam estar na escola pelo período mínimo de seis horas diárias. No Brasil, somente no final de 1996 a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) estabeleceria jornada escolar mínima obrigatória de quatro horas. “Nossa educação é ruim porque sofreu quatro séculos e meio de abandono. Foi nos últimos 50 anos que tudo começou a acontecer. E, obviamente, é pouco tempo para recuperar os séculos perdidos e para evitar os solavancos e as incompetências do crescimento açodado”, escreveu, num artigo para a revista Veja, o economista Claudio de Moura Castro, especialista em temas da educação.

Castro se referia ao livro História da escola em São Paulo e no Brasil – do qual é um dos prefaciadores –, que a professora Maria Luiza Marcílio, docente da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e presidente da Comissão de Direitos Humanos da USP, lança nesta terça-feira, dia 28, em São Paulo. Embora sua proposta inicial não fosse mapear o atraso da educação brasileira, a autora diz que “essa realidade é um fio que perpassa o livro todo”. Conseqüentemente, historiá-la é falar “de uma luta permanente contra esse legado de atraso”.

Fatores como o colonialismo e a escravidão, que privou gerações de brasileiros do acesso ao ensino, estão na raiz do problema, diz a professora. A falta de continuidade nos programas governamentais é outra dificuldade crônica. Basta dizer que, ao longo do século 20, houve apenas dois nomes que conseguiram “emplacar” vários anos à frente do Ministério da Educação: Gustavo Capanema, de 1934 a 1945, no governo Vargas, e Paulo Renato Souza, ministro durante os oito anos do governo FHC.


Estagnação


As mais de 400 páginas do texto – seguidas de outras 24 de referências bibliográficas – estão divididas em três blocos. O primeiro aborda o período de 1554 (fundação de São Paulo) até 1870, já no Segundo Império. O segundo vai até 1990 e o terceiro se detém nos anos recentes, estendendo-se até o final do governo FHC. “Nos primeiros 250 anos da história do Brasil, a única instituição formal de ensino implantada foi o chamado ‘colégio’ dos jesuítas. Eles fundaram colégios mais com a intenção de formar padres, moralizar os colonos e evangelizar os índios”, conta a autora. Embora atendessem um contingente ínfimo – 0,1% da população –, nada se comparava a esses colégios, salienta.

À expulsão dos jesuítas, em 1759, por decreto do rei de Portugal, seguiu-se um período de 43 anos em que São Paulo ficou sem escolas formais. “A Coroa portuguesa nunca se preocupou com a educação dos colonos, como, cá entre nós, nunca se preocupou muito com educação nem em Portugal”, afirma Maria Luiza. Por essa razão, estagnação é a palavra-chave do Império. O próprio Dom Pedro II, cuja imagem está associada à de um patrono das artes e da cultura, “pela educação básica não fez praticamente nada”, salienta.

Não que faltassem exemplos na vizinhança, solenemente ignorados no Brasil – manifestação, aliás, deste tão arraigado hábito nacional de virar as costas aos iguais latino-americanos. Já na década de 1820, o presidente argentino Bernardino Rivadavia levou professores estrangeiros para lecionar no país. Domingo Faustino Sarmiento, presidente entre 1868 e 1874, espalhou escolas-modelo nas sedes das províncias e deu grande impulso à Universidade de Buenos Aires. Chile e Uruguai também começaram a universalizar a educação básica.

Também na década de 1820, Simón Bolívar mandou trazer de volta à América seu antigo mestre, Simon Rodríguez, com a missão de plantar escolas na Bolívia e na Colômbia. Rodríguez já então ensinava: “Terá de se educar todo mundo sem distinção de raças nem cores. Não nos alucinemos: sem educação popular, não haverá verdadeira sociedade. Ao que não sabe, qualquer um engana. Ao que não tem, qualquer um compra”.


Maria Luiza com alunas de um grupo escolar, em 1956

Nostalgia

O período que se segue a 1870 traz grandes transformações na sociedade brasileira, com a industrialização e a formação de elites urbanas. Um fator fundamental nessa época, diz a professora, foi a chegada de imigrantes. Como regra geral, os estrangeiros criavam estabelecimentos ligados a confissões protestantes, que valorizavam a educação desde a Reforma na Europa, no século 16. Os metodistas, por exemplo, fundaram instituições que dariam origem às suas atuais universidades, enquanto o Mackenzie College foi criado por americanos.

Até o final do século 19, quase não existiam escolas públicas no Brasil. “O ensino formal era dado em aulas avulsas, com um único mestre-escola, sem planos, sem programas, sem métodos pedagógicos ou sem material de ensino. As crianças que conseguiam ser alfabetizadas, em sua grande maioria, receberam suas lições em casa, de seus pais, parentes, ou através de preceptores contratados para esse fim. Os professores ficaram sem treinamento, ensinavam da forma que podiam e com o pouco que sabiam”, diz Maria Luiza. Como reflexo dessa estagnação, o Brasil entrou no século 20 com quase 70% de sua população analfabeta. Até 1940, apenas 25% das crianças com idade entre 5 e 14 anos estavam matriculadas nas escolas.

Os primeiros anos da República trouxeram marcos considerados revolucionários, como o currículo dividido em séries. Também pela primeira vez as escolas passaram a ter uma arquitetura própria, com carteiras, lousa, quadro-negro e aulas simultâneas para um grupo de alunos – e não mais individuais.

O século 20 é o da universalização do ensino público – com todas as idas e vindas, reformas e solavancos que caracterizam a pouco estável vida republicana nacional. Falta, entretanto, que essa expansão se traduza em qualidade, alerta a professora. Os indicadores nacionais, quando comparados com os de outros países, mostram “uma tristíssima realidade: estamos lá embaixo em alfabetização, ciências, matemática...”, diz. “O ensino gasta muito e ainda está em atraso.”


Escola de lata: expansão não foi acompanhada pela qualidade



Para Maria Luiza, a nostalgia do ensino público de qualidade dos anos 50 e 60 é em parte verdadeira, mas em parte não. “Só a classe média chegava ao ginásio e só nos bairros de classe média. Ela exigia educação de primeira, e os professores eram bem formados.” Com as exigências da universalização, começaram a faltar professores para atender a tanta demanda. Para utilizar ao máximo as salas, as escolas instituíram vários turnos por dia, e houve exemplos até de ciclos alternados: algumas turmas estudavam às segundas, quartas e sextas; outras às terças, quintas e sábados.

A necessidade de prover cada vez mais professores se refletiu – negativamente – em sua formação. A universidade pública passou a encaminhar seus alunos à pós-graduação e à docência no ensino superior, enquanto a formação dos professores para a rede pública ficou cada vez mais a cargo das instituições particulares. Os salários defasados e as condições de trabalho precárias também não ajudam em nada. Ao mesmo tempo, Maria Luiza aponta privilégios que a lei concede aos docentes – faltas abonadas e a existência dos professores substitutos, por exemplo – como problemas a ser superados. “O absenteísmo nas escolas de periferia é muito grande. Os alunos ficam sem ter o que fazer”, afirma.

Maria Luiza Marcílio não hesita em dizer que o governo FHC, com Paulo Renato Souza como ministro da Educação, foi revolucionário. “Os historiadores ainda darão a ele a sua devida importância”, diz. O estabelecimento de avaliações em todos os níveis e a assessoria de alto nível são alguns dos méritos apontados pela professora, que lamenta as constantes mudanças de rumo na área. “Em educação, qualquer atitude errada tomada por um governante hoje tem repercussões por 20, 30 ou 40 anos.”

Maria Luiza cita em seu livro as palavras de Amartya Sen, Prêmio Nobel de Economia de 1998: “Quanto mais inclusivo for o alcance da educação básica e dos serviços de saúde, maior será a probabilidade de que mesmo os potencialmente pobres tenham uma chance maior de superar a penúria”. No mundo do amanhã, conclui a autora, “só terão emprego os que aprenderem a aprender, podendo assim desenvolver e obter capacidades. Pela educação de bom nível se formará o bom cidadão e com ele estarão garantidas a democracia e a inclusão social”.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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