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I Imagine um mundo em que a maior variedade possível de dispositivos eletrônicos terá interface com a internet e poderá aceitar inclusive comandos de voz e funcionar sem fio. Um mundo em que a rede mundial de computadores, alimentada com mais conteúdos locais, poderá dar informações exatas sobre todos os itens de cada página da web, como os nomes e endereços de anunciantes e estabelecimentos em geral, ou mesmo a localização de internautas próximos ao usuário. É assim que o “pai da internet”, Vinton Cerf, imagina o futuro da rede que criou em 1973, em parceria com o colega Robert Kahn.

Coisas como uma geladeira conectada à internet e até uma prancha de surfe com um computador acoplado e ligado à rede mundial de computadores são algumas das coisas que o próprio Cerf duvidou que um dia pudessem existir. Mas esses e outros aplicativos estranhos usados mundo afora existem e foram apresentados, entre outras novidades, pelo próprio evangelista-chefe do Google, em visita à USP no dia 5 de junho.

Na palestra que proferiu no auditório Camargo Guarnieri sobre “As mudanças e os desafios da internet de amanhã”, o vice-presidente do maior site de busca fez questão de ressaltar que será justamente a criatividade dos usuários o que fará com que a rede mundial de computadores se desenvolva cada vez mais.

Segundo Cerf, o Google está comprometido em oferecer cada vez mais serviços o mais rápido possível e na maior variedade de línguas, e, para isso, a empresa está aberta a novos parceiros, serviços e tecnologias relevantes. “Além de cumprir meu contrato, que prevê visitas aos escritórios onde o Google mantém filiadas, uma das razões de eu estar no Brasil é encontrar engenheiros que tenham tanto habilidades técnicas quanto compreensão e sensibilidade para a cultura e a língua local”, disse Cerf, num encontro com jornalistas, antes da palestra. “Também estamos interessados no uso que as pessoas podem dar aos telefones celulares. Esses dispositivos possuem telas pequenas e uma taxa de transmissão de dados baixa. Portanto, a habilidade de desenvolver o uso do celular com apresentação de publicidade, no contexto da internet, ainda é um desafio.”

Algumas metas do Google se confundem com o futuro da internet. O executivo diz que a empresa pretende disponibilizar em telefonia celular canais como Google Maps, Google Earth, Google Scholar e Google Picasso, por exemplo. “A tendência desses serviços de informações geográficas é crescer, inclusive alimentados pelo próprio usuário. Imagine, com essas ferramentas, você poder visualizar em seu laptop ou através do celular os amigos que estão próximos e dizer: ‘Ei, que tal nos encontrarmos para um café?’”, brincou Cerf. Entre outros planos, a companhia pensa em tornar o acesso mais inclusivo. “Uma coisa que espero possamos fazer é avançar do uso puramente visual da internet para uma interação maior com comandos de voz, o que tornaria o acesso à informação mais inclusivo.”

Para Cerf, a internet é como uma “entidade biológica” que precisa se alimentar para crescer. “Há cerca de 30 anos, não imaginávamos que teríamos 1 bilhão de usuários, dotados de computadores pessoais e capazes de acessar a rede. Foi uma evolução passo a passo e as pessoas se tornaram cada vez mais cientes sobre as possibilidades futuras”, declarou. “Para mim, a coisa mais excitante em fazer parte de tudo isso é que, a partir do trabalho de duas pessoas, muitas outras pessoas inteligentes perceberam que tudo isso poderia ser interessante e divertido e dedicaram boa parte de suas carreiras para fazer a internet funcionar, e agora milhões de outras pessoas podem torná-la ainda mais excitante.”

foto: cecília bastos
Vinton Cerf na USP: a internet cada vez mais presente no cotidiano

Crianças e educação – Cerf arrancou risadas do auditório ao elucubrar sobre alguns usos dados à internet atualmente, mas também abordou temas mais sérios, como educação na rede, privacidade e conexões interplanetárias. “Fico imaginando o que leva uma pessoa a adaptar um computador na prancha de surfe. Provavelmente deve ter pensado em surfar na internet enquanto espera para surfar na próxima onda. Ou o que se passa na cabeça de quem conectou a geladeira à internet. Já pensou você estar no supermercado e receber um e-mail da sua geladeira com a lista dos produtos que faltam? E já que todo mundo está na rede, inclusive sua geladeira, imaginou se ela descobre que você está de dieta e não deixa você abrir a sua porta para pegar alimentos? Horrível.”

Segundo Cerf, a internet tem sido menos usada em salas de aula do que nas casas, e isso sem contar que a maioria das crianças faz mau uso da rede, simplesmente copiando ou plagiando seus trabalhos escolares. “Já existem websites que catalogam os relatórios mais plagiados e o professor pode descobrir se o texto foi copiado através de uma busca por palavras-chave e ainda dizer para o estudante: ‘É um trabalho realmente interessante. Você sabia que está disponível na internet e por alguma razão é exatamente palavra por palavra aquilo que você disse?’”, brincou.

Embora reconheça que, em geral, ocorra uma realidade bem diferente, Cerf citou exemplos espetaculares da internet sendo usada como ferramenta para a educação. O executivo mencionou um professor da Universidade de St. Petesburg, na Pensilvânia, nos Estados Unidos, que começou a produzir com os colegas algumas conferências e hoje disponibiliza gratuitamente mais de 3 mil palestras na web sobre os mais variados temas.

Exemplo parecido implantou o Massachusetts Institute of Technology (MIT), também nos Estados Unidos, que mantém cursos, aulas e palestras gratuitas na sua página. “Eles devem estar loucos, pensaram. Mas o que acontece é que as pessoas checam os assuntos de que tratam as aulas e, a partir daí, se realmente quiserem aprender aquilo, percebem que será melhor fazer o curso. Isso deu extremamente certo do ponto de vista de novos ingressantes”, afirmou.

Cerf disse estar afinado com outros gurus da web, como Nicholas Negroponte, no que diz respeito ao ensino. Ambos concordam que o uso da internet em sala de aula só será efetivamente bem-sucedido quando cada estudante puder ter seu laptop para usar quando e quanto tempo precisar. Assim, palestras, conferências e determinados arquivos e a interação com especialistas estariam de fato acessíveis. “A criança aprenderá melhor se simplesmente tiver a oportunidade de tentar. E disponibilizar aparelhos de computador para crianças 24 horas por dia encoraja que elas aprendam coisas por si mesmas”, opinou.

Para Cerf, um dos maiores problemas ainda é a dificuldade de controlar spams e a privacidade na rede. “No início do sistema, chegamos a cobrar US$ 1 pelo envio de mensagens. Mas hoje a cobrança pelo envio de e-mails seria inaceitável e, no momento, o que é possível fazer é desenvolver melhores tecnologias que inibam a invasão de privacidade.”

Ele diz que o governo dos Estados Unidos já tentou ter acesso a determinadas listas de buscas, mas não apresentaram razões plausíveis e por isso a empresa não disponibilizou os arquivos. Mas seus concorrentes entregaram relatórios para o governo de George W. Bush e, por motivos desconhecidos, a privacidade foi quebrada. “Existe um comitê internacional que cuida disso, mas ainda temos muito que avançar no campo da legislação e regulação de certas questões.”

Nasa e internet – Um dos projetos em que Cerf está envolvido ainda vai dar muito o que falar. Trata-se de um programa do Jet Propulsion Laboratory, da Nasa, que a partir de 1998 vem tentando nada menos do que criar a arquitetura básica para conexões interplanetárias. “Nesses quase 40 anos de missão espacial, cada missão tem tido seu sistema específico de sensores a bordo das espaçonaves, o que quer dizer que as plataformas das espaçonaves não são compatíveis entre si, não podem se comunicar. Padronizar a comunicação no espaço seria vantajoso e então começamos a considerar a hipótese de usar os protocolos usados na internet, o TCP/IP”, disse.

Segundo Cerf, a equipe percebeu em muito pouco tempo que isso não funcionaria. Ao considerar a velocidade da luz e as distâncias astronômicas entre os planetas, uma mensagem enviada da Terra a Marte, por exemplo, levaria em torno de 20 minutos para chegar ao destino. “O TCP não trabalharia bem nesse contexto.”

“As novas missões deverão carregar o novo protocolo interplanetário e assim o sistema se desenvolveria com o tempo, missão a missão. O que estou dizendo simplesmente é que queremos usar padrões a fim de permitir que cada missão espacial dê suporte a uma nova missão subseqüente, e assim por diante.” Até lá pode-se sonhar com maior interatividade na rede e viagens de turismo para Marte.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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