
Crítico
de arte, diretor do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da
USP entre 1998 e 2002, coordenador do Observatório de
Políticas Culturais da USP, autor de vários livros
sobre crítica e teoria da comunicação, professor
titular da Escola de Comunicações e Artes (ECA)
da USP. Com essa trajetória, José Teixeira Coelho
Netto passa a ocupar a partir de 1o de setembro o cargo de curador-coordenador
do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Ele enfrenta o desafio
de implantar propostas inovadoras como a de dividir o espaço
reservado às grandes obras do século 19 com a arte
contemporânea do Brasil e da América Latina.
Na entrevista a seguir, concedida à repórter Sandra
Capomaccio, da Rádio USP FM (93,7 MHz), Teixeira Coelho
explica que o Masp está tecnicamente bem preparado e passa
por uma reorganização administrativa. Lembra que é muito
importante o poder público e a sociedade civil se empenharem
mais em prol da arte e, especialmente, do Masp e dos museus em
geral. Acentua que a arte e a cultura são elementos de convivência,
estimulam as inovações e são imprescindíveis
para o desenvolvimento do País.
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Jornal da USP – Como é assumir um museu tão
importante como o Masp?
José Teixeira Coelho Netto – Como várias pessoas
estão colocando, é um desafio. Talvez não
tão grande quanto as pessoas pensam efetivamente. Nos dias
que antecederam a minha decisão tive uma série de
conversas com a diretoria do museu. Eles me levaram para conhecer
uma série de iniciativas desenvolvidas nestes últimos
anos, que a maior parte das pessoas não conhece. São
locais a que poucos têm acesso, como a reserva técnica
do museu, as salas técnicas de controle de ar condicionado,
o cofre do museu, por exemplo. O museu está tecnicamente
bem preparado e agora conta também com uma empresa para
reorganização administrativa e redefinição
das ações de captação de recursos.
O que é um ânimo, um alento especial. Então,
por sorte, não será um desafio como muitos estão
dizendo.
JUSP – A classe artística deve ter voz ativa na sua
gestão?
Teixeira Coelho – Esse é justamente o ponto que discuti
com a diretoria antes mesmo de aceitar o cargo. O Masp nunca teve
ou não tinha há muito tempo um comitê técnico-consultivo,
que nos bons museus geralmente é formado por representantes
da classe artística, diretores de outros museus, representantes
de universidades, críticos e historiadores. Esse é o
canal mais direto que a comunidade pode ter com o museu. Além
disso, a diretoria também concordou com o ponto de vista
segundo o qual o museu precisa se abrir mais para a arte contemporânea
brasileira. O Masp tem um acervo magnífico, mas é um
acervo que tem enormes dificuldades para continuar comprando obras
na sua linha. Hoje em dia não se compra mais um Rafael,
um Monet. Não há mais condições de
um museu brasileiro fazer isso. Então, ele precisa reorientar
a sua coleção e sobretudo sua ação
artística na direção da arte que se faz aqui
e agora.
JUSP – O senhor já tem noção
do tamanho da crise que o Masp atravessa?
Teixeira Coelho – O tamanho da crise do museu não é maior
que o tamanho da crise de qualquer brasileiro hoje ou da crise
da universidade pública ou da crise da saúde ou da
educação. Há um problema de fato, que é uma
certa indiferença manifestada tanto pelo poder público
quanto pela sociedade em geral em relação às
coisas da cultura e da arte. Não são prioritárias
no Brasil, e isso é um equívoco enorme. Na Europa,
dezenas e dezenas de crianças visitam diariamente o museu.
Não é que elas estão sendo educadas para a
arte, mas elas vão para conviver com a arte. No Brasil a
educação é feita de forma completamente desculturalizada.
Não há a presença da cultura e da arte. Isso
faz com que o aspecto econômico da arte no Brasil seja delicado,
mas não é insolúvel. Tive, agora, a oportunidade
de ver o que o museu foi capaz de captar nos últimos anos
para a realização dos trabalhos técnicos de
reanimação estrutural do prédio. Ele precisava
ser totalmente refeito nas suas estruturas e a diretoria foi capaz
de conseguir recursos importantes. Nesse sentido, tenho um certo
otimismo – contido, mas um certo otimismo.
JUSP – O senhor acha que o governo precisa ajudar a manter
o museu ou esse é um papel da sociedade?
Teixeira Coelho – Venho insistindo na tese de que, num país
como o Brasil, essa responsabilidade cabe em partes relativamente
iguais ao poder público e à sociedade civil. Em nenhuma
parte do mundo museu vive de recursos próprios. Bilheteria
não sustenta museu. Nem o Louvre, em Paris, que tem 5 milhões,
6 milhões de visitantes por ano. O Louvre vive de um apoio
governamental enorme e os museus americanos vivem do apoio da sociedade
civil. Temos que encontrar uma maneira de sensibilizar ambos os
lados para que alguma coisa seja feita, ou então, que se
diga claramente que a cultura e a arte não interessam ao
País, o que, me parece, não seria o caso.
JUSP – Como é falar sobre arte num país
como o nosso, com tantos problemas sociais?
Teixeira Coelho – No Brasil, a primeira coisa é combater
esse preconceito de que, pelo fato de que as necessidades são
tantas, não há espaço para a cultura e a arte.
Isso é um equívoco monumental. A cultura e a arte
são elementos de convivência e estimulam as inovações.
Não se trata de estabelecer prioridades. Há uma série
de esferas da ação pública e da ação
privada que precisam ser enfrentadas ao mesmo tempo. E a cultura
e a arte estão entre elas. É mais difícil
no Brasil? Não tenho a menor dúvida. Mas, por exemplo,
as leis de incentivo fiscal tiveram como mérito maior despertar
a iniciativa privada para o fato de que ela podia e devia investir
parte de seus recursos em arte. Isso é um começo. É mais
fácil conseguir apoio econômico para a realização
de uma exposição. Mas o museu não vive de
exposições. Uma exposição fica em cartaz
dois ou três meses e o museu tem 12 meses para se manter.
Assim, a sociedade, a iniciativa privada e o poder público
têm que entender que o museu deve sobreviver ao longo do
ano. Sei que as empresas têm maior retorno de imagem patrocinando
uma exposição do que colaborando com os salários
das pessoas, a manutenção e a conta de luz. Mas essa é uma
ação que deve ser trabalhada.
JUSP – Sobre sua proposta de trabalhar a arte contemporânea,
que tipo de intercâmbio é importante para o Masp?
Teixeira Coelho – Um museu do porte do Masp precisa estar
constantemente integrado ao circuito internacional das exposições,
seja para receber, seja para mandar. É muito difícil
mandar exposições do Brasil para fora. Entre as poucas
de destaque num passado recente, enviamos para o Guggenheim, de
Nova York, a mostra dos 500 Anos do Brasil, mas foi paga pelo Brasil.
Ou seja, o Brasil paga para enviar exposições e paga
para receber. O museu, no entanto, tem que estar integrado nesse
circuito e tem de tentar fazer essa integração através
de intercâmbios. Ou seja, o Masp manda uma exposição
para o exterior e o museu do exterior manda uma para cá,
porém cada museu arca com os seus custos e o seguro.
JUSP – O senhor teve uma gestão elogiada na direção
no MAC. Dá para fazer uma comparação entre
o MAC e o Masp?
Teixeira Coelho – Alguns problemas são comuns, mas
há diferenças notáveis. Um dos problemas que
vejo no MAC é a descontinuidade administrativa. A USP adota
esse sistema de mandato de direção de quatro anos,
sem reeleição, mas acho que a Universidade deveria
adotar a reeleição em todos os seus cargos, a começar
pelo de reitor, passando por todos os outros. Na universidade americana,
nos postos mais importantes, não há mandato estabelecido.
Num museu, quatro anos é muito pouco. Para se ter uma idéia,
uma boa exposição internacional que se queira apresentar
demora dois anos para ser viabilizada. Por outro lado, o MAC e
o Masp padecem de males relativamente semelhantes porque não
dispõem de recursos para aumentar a sua coleção.
Até meados dos anos 80, o MAC tinha uma verba de aquisição
da Universidade, mas depois foi extinta e nunca mais foi reposta.
A única forma que o MAC tem de aumentar a sua coleção é através
de doações. Só que os colecionadores já não
dão mais obras. O último que fez esse grande gesto
de doação para o MAC e para todos os museus de São
Paulo foi Ciccillo Matarazzo.
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