
O aquecimento global está apenas começando,
e daqui para frente é que a Terra e seus habitantes – incluindo
nós, os seres humanos, inquilinos recentes do planeta – sentirão
os seus efeitos. Entretanto, por mais que cresçam o interesse
no tema e a quantidade de pesquisadores que se debruçam
sobre ele, os consensos entre a comunidade científica e
os governos ainda parecem distantes. Há mesmo toda uma corrente
de cientistas que afirmam que não há provas da intervenção
humana no atual processo. Esse é um dos muitos temas abordados
no livro Para mudar o futuro – Mudanças climáticas,
políticas públicas e estratégias empresariais,
do ex-reitor da USP Jacques Marcovitch.
Lançado em seminário realizado no dia 24 passado,
na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade
(FEA) da USP, o volume apresenta um amplo painel sobre a história
das mudanças climáticas e o debate mundial a respeito
do tema – incluindo a importante participação
brasileira –, além de mostrar o que empresas têm
feito para trabalhar de forma sustentável e traçar
o horizonte da agenda de prioridades e desafios na área. “A
proteção ao ambiente representa o interesse de todos
os grupos, da humanidade inteira”, escreve Marcovitch.
No seminário, o ex-reitor ressaltou que o livro nasceu de
uma discussão na Conferência das Partes da Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima
(COP 10), em Buenos Aires, no final de 2004. Ali o Brasil entregou
o seu inventário de emissões de gases causadores
do efeito estufa. “Nessa entrega, observou-se o quanto o
Brasil é criticado pelo que não faz, mas o pouco
que é visto pelo que faz. Poucas vezes as opiniões
dos brasileiros que militam nesse tema eram conhecidas e disseminadas”,
disse. “Este livro procura trazer o que o Brasil pensa e
já entende como seus grandes desafios, e a idéia
foi reunir conhecimentos acumulados e também talentos.” Para
Marcovitch, o principal objetivo do trabalho é contribuir
para mudar o futuro. “E como se muda? Através da juventude.
Longe de tratar do passado, ele procura contribuir na formação
das novas gerações.”
O livro traz a participação de colaboradores como
o jornalista Washington Novaes, especializado na cobertura de temas
ligados ao ambiente. “Os números que têm sido
divulgados mostram que no País, em um ano, os ‘desastres
naturais’ deixaram 810 mil vítimas; em uma década,
12,7 milhões – 11,5 milhões em secas, 510 mil
inundações, 153 mil em deslizamentos de terra”,
aponta Novaes.
O professorJacquesMarcovitch (acima): “Para
mudar o futuro, é essencial
que asociedade aprimoreos seus valores e noções
de convívio” |
Pós-2012 – Um dos expositores do seminário
de lançamento do livro foi Pedro Leite da Silva Dias, coordenador
da área de Ciências Ambientais do Instituto de Estudos
Avançados (IEA) e professor do Instituto de Astronomia,
Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da
USP. Para Dias, ainda há muitas incertezas em relação
ao panorama sobre alterações do clima da Terra. “O
grande problema das mudanças climáticas é que
o clima não é só atmosfera. Há a influência
das águas, do solo, da vegetação e das espécies
químicas”, afirmou. É em relação
a esse último item que o fator humano começou a ser
levado em conta – “porque nós mudamos as concentrações
desses elementos na atmosfera”, disse o professor.
Na década de 1990, enfatizou, começou a crescer a
consciência sobre a relação do clima com aspectos
sociais. O pesquisador usou como exemplo dessa tendência
a constatação do maior desmatamento da Amazônia
a partir dos anos 70. No Sul do País, os verões estavam
mais secos e os invernos, mais chuvosos, prejudicando a agricultura
e provocando sérios problemas sociais e econômicos. “Por
sua vez, o governo militar tinha a preocupação em
ocupar a Amazônia, e por isso incentivou a colonização
por grandes levas de migrantes do Sul. Essa maior ocupação
acarretou o maior desmatamento”, relatou. Atualmente, modelos
matemáticos têm sido cada vez mais utilizados como
elemento integrador de todas as áreas que estudam o ambiente
e as mudanças climáticas, ajudando de forma crescente
na projeção de cenários futuros.
Também ex-reitor da USP e atual secretário estadual
do Meio Ambiente, o professor José Goldemberg apresentou
no seminário um breve relato de como andam as negociações
em relação aos acordos internacionais sobre redução
de emissão de gases de efeito estufa. O Protocolo de Kyoto,
negociado em 1997, ratificado em 1999 e que entrou em vigor em
2005, estabeleceu que os países desenvolvidos – o
chamado Anexo I – deveriam reduzir suas emissões em
5% em relação aos níveis de 1990. “Para
os Estados Unidos, em 2003, isso significaria reduzir 25%”,
disse o professor. “Sob o governo de Bill Clinton e Al Gore,
os Estados Unidos assinaram sem entender muito bem o que assinaram”,
afirmou. Na prática, o país não aderiu ao
tratado.
O grande desafio, avalia Goldemberg, é o cenário
pós-2012, data-limite dos compromissos estabelecidos em
Kyoto. Será necessário atrair para novos protocolos
os Estados Unidos, responsáveis por 23% das emissões
de gases de efeito estufa, e os países em desenvolvimento,
que ficaram de fora do Anexo I por não serem considerados
grandes emissores. O cenário mudou: a China responde por
17% das emissões mundiais, enquanto Índia, África
do Sul e Brasil também têm índices consideráveis.
No Brasil, 75% das emissões são originárias
de queimadas e desmatamento na Amazônia.
No início de agosto, São Paulo sediou uma reunião
do chamado grupo Basic – Brasil, África do Sul, Índia
e China –, na qual nasceu uma proposta para conciliar os
interesses divergentes. “Os Estados Unidos adeririam através
de um outro protocolo. Em compensação, as limitações
das emissões de carbono não seriam mais dadas por
números arbitrários, como Kyoto, mas levariam em
conta dados como a população e o PIB do país”,
disse Goldemberg. A China, por exemplo, que vai expandir muito
sua produção de energia usando carvão, se
comprometeria a usar métodos mais modernos e eficientes
e reduzir suas emissões em 10%. Já o Brasil deve
reduzir o desmatamento. “Em vez da dicotomia entre países
do Anexo I e não-Anexo I, a proposta cria uma nova categoria
de países que aceitam as reduções voluntárias
e quantificadas”, explicou. Fóruns globais em 2007
e 2008 devem trazer decisões importantes no processo.
“Nenhum problema pode ser resolvido pelo mesmo estado de consciência
que o gerou. É preciso ir bem mais longe que isso”,
escreve Jacques Marcovitch no final do livro, citando o físico
alemão Albert Einstein. No caso do ambiente, como se trata
de nossa própria sobrevivência – “é difícil
encontrar bons planetas”, diz um slogan dos ecologistas europeus –,
não basta que nos guiemos por hipóteses e conclusões. “É também
essencial, para mudar o futuro”, escreve o ex-reitor, “que
a sociedade aprimore constantemente os seus valores e noções
de convívio.” |