O pior inimigo do pintor é o
olho. Com essa crítica sobre si mesmo, Aldo Bonadei justificou
sua inquietude nas artes. Paulista, filho de imigrantes italianos,
começou a pintar quando tinha 9 anos. E não parou
mais. Foi uma trajetória pontuada pela pesquisa de novas
cores, novas formas. Começou a estudar arte com Pedro Alexandrino.
No início da década de 1930, ingressou na Academia
de Belas Artes de Florença e, ao regressar, uniu-se ao Grupo
Santa Helena. Também atuou como figurinista no teatro e
no cinema. E foi um dos precursores do abstracionismo no Brasil.
É essa trajetória que Lisbeth Rebollo Gonçalves,
diretora do Museu de Arte Contemporânea da USP e professora
da Escola de Comunicações e Artes (ECA), ambos da
USP, vai apresentar, a partir do próximo dia 2, numa mostra
que reúne pinturas e desenhos do artista. São cem
obras lembrando o centenário de Bonadei. A exposição
vai ocupar uma área de 950 metros quadrados, na sede do
MAC Ibirapuera, com obras do acervo do MAC, de outros museus e
de acervos particulares. “Estamos organizando essa mostra
há mais de um ano”, explica Lisbeth. “Iremos
apresentar obras inusitadas, que mostram as primeiras pesquisas
abstratas da fase Impressões Musicais, entre 1940 e 1944,
em que o artista procura transferir para a tela, através
do gesto, as sensações que a música lhe proporciona.”
Através da mostra, Lisbeth vai compor o perfil do artista
em suas diversas pesquisas. “A vida de Aldo Bonadei foi uma
longa dedicação às artes plásticas”,
explica. “Ele marcou o ambiente artístico com a sua
personalidade inquieta, sensível e, ao mesmo tempo, franca,
tempestuosa e irreverente. Na memória dos amigos, ao lado
dessa inquietude, permanece a lembrança da figura carinhosa,
comunicativa e cheia de amizade verdadeira.”
Lisbeth vai lembrar também o percurso de Bonadei num momento
importante da história da arte moderna no Brasil. “Foi
quando ele passou a fazer parte do Grupo Santa Helena, nos decênios
de 30 e 40, realizando pintura de ambiência paulista, urbana
e suburbana”, observa. “O artista adere ao ideal de
liberdade de pesquisa do grupo. Sua pintura, como a dos outros
artistas, apresenta tons baixos e se faz ora ao ar livre, pelos
bairros, ora em ateliê.”
O Grupo Santa Helena era assim chamado
porque se reunia no palacete Santa Helena número 43, na antiga Praça da Sé,
que tinha várias salas transformadas em ateliês. Nasceu
entre as transformações artísticas (com a
repercussão da Semana de Arte Moderna) e as mudanças
sociopolíticas da Revolução de 1930. Além
de Aldo Bonadei (1906-1974), era integrado por Alfredo Rullo Rizzotti
(1909-1972), Alfredo Volpi (1896-1988), Clóvis Graciano
(1907-1988), Francisco Rebolo Gonçalves (1902-1980), Fulvio
Pennacchi (1905-1992), Humberto Rosa (1908-1948), Manoel Martins
(1911-1979) e Mário Zanini (1907-1971).
Naturezas-mortas – Dessa fase, surgiram várias paisagens
da cidade, revelando, como explica Lisbeth, uma São Paulo
que se transforma. Bonadei cria também várias naturezas-mortas. “Faz
dessas temáticas um campo de reflexão sobre a prática
da pintura. Trabalha sempre os problemas de construção
do espaço plástico, pesquisando a cor e o valor da
pincelada.”
Lisbeth destaca a constante busca de Bonadei, pontuada através
de uma produção singular. Ao mesmo tempo em que se
integra no contexto dos acontecimentos artísticos, lutando
pela afirmação nas artes plásticas, ele pesquisa
a abstração. “Bonadei foi um pioneiro na pesquisa
da abstração, discutindo, com seu trabalho plástico,
os principais problemas formais decorrentes dessa vertente artística,
muito embora não aderisse frontalmente a ela”, analisa
Lisbeth. “Mas as questões que embasam a compreensão
do sentido do abstracionismo, como a pesquisa da cor, a aproximação
com a música, as indagações sobre a percepção
formal, a liberação do lirismo e o gesto estão
todas presentes em suas preocupações e são
postas em evidência quando procura um novo modo de representação,
investigando o espaço pictórico.”
A polêmica entre figuração e abstração
dos anos 50 está presente nas telas de Bonadei. “É preciso
ressaltar que, mesmo perfeitamente inserida no momento histórico,
a obra do pintor apresenta sempre características peculiares,
em face das novas correntes, ora assimilando-as, ora acrescentando-lhes
inovações”, observa Lisbeth. “Na produção
abstrata daquela época, encontramos uma liberdade maior
do pintor face à tela. Num ímpeto evocativo de sentimentos,
ele se surpreende com os resultados que obtém e os anota
em seu diário. Nascem trabalhos mais geometrizados ou mais
gestuais e parece haver, segundo seus apontamentos, certa gestualidade
mesmo onde a linha surge com um traçado quase rígido,
ou mais construtivo, na medida em que ele executa o desenho num
gesto contínuo, sem interrupções, como num
ato de expansão e arrojo.”
A mostra tem como meta resgatar o percurso único de Bonadei,
que não rejeitava conhecimentos e experiências anteriores. “Agia
por um processo de acumulação, buscando explorar
as aberturas trazidas através de cada uma de suas experiências.
Na história da arte brasileira, poucos artistas tiveram
tão grande envolvimento com a pesquisa plástica.
Foram pesquisas de materiais, de meios de expressão artística
e das principais tendências que marcaram o projeto estético
da época em que viveu, além de reflexões sobre
o seu próprio trabalho. A busca de inovação
na arte de Bonadei é sempre uma constante.”
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