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créditos: Francisco Emolo
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O pior inimigo do pintor é o olho. Com essa crítica sobre si mesmo, Aldo Bonadei justificou sua inquietude nas artes. Paulista, filho de imigrantes italianos, começou a pintar quando tinha 9 anos. E não parou mais. Foi uma trajetória pontuada pela pesquisa de novas cores, novas formas. Começou a estudar arte com Pedro Alexandrino. No início da década de 1930, ingressou na Academia de Belas Artes de Florença e, ao regressar, uniu-se ao Grupo Santa Helena. Também atuou como figurinista no teatro e no cinema. E foi um dos precursores do abstracionismo no Brasil.

É essa trajetória que Lisbeth Rebollo Gonçalves, diretora do Museu de Arte Contemporânea da USP e professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA), ambos da USP, vai apresentar, a partir do próximo dia 2, numa mostra que reúne pinturas e desenhos do artista. São cem obras lembrando o centenário de Bonadei. A exposição vai ocupar uma área de 950 metros quadrados, na sede do MAC Ibirapuera, com obras do acervo do MAC, de outros museus e de acervos particulares. “Estamos organizando essa mostra há mais de um ano”, explica Lisbeth. “Iremos apresentar obras inusitadas, que mostram as primeiras pesquisas abstratas da fase Impressões Musicais, entre 1940 e 1944, em que o artista procura transferir para a tela, através do gesto, as sensações que a música lhe proporciona.”

Através da mostra, Lisbeth vai compor o perfil do artista em suas diversas pesquisas. “A vida de Aldo Bonadei foi uma longa dedicação às artes plásticas”, explica. “Ele marcou o ambiente artístico com a sua personalidade inquieta, sensível e, ao mesmo tempo, franca, tempestuosa e irreverente. Na memória dos amigos, ao lado dessa inquietude, permanece a lembrança da figura carinhosa, comunicativa e cheia de amizade verdadeira.”

Lisbeth vai lembrar também o percurso de Bonadei num momento importante da história da arte moderna no Brasil. “Foi quando ele passou a fazer parte do Grupo Santa Helena, nos decênios de 30 e 40, realizando pintura de ambiência paulista, urbana e suburbana”, observa. “O artista adere ao ideal de liberdade de pesquisa do grupo. Sua pintura, como a dos outros artistas, apresenta tons baixos e se faz ora ao ar livre, pelos bairros, ora em ateliê.”

O Grupo Santa Helena era assim chamado porque se reunia no palacete Santa Helena número 43, na antiga Praça da Sé, que tinha várias salas transformadas em ateliês. Nasceu entre as transformações artísticas (com a repercussão da Semana de Arte Moderna) e as mudanças sociopolíticas da Revolução de 1930. Além de Aldo Bonadei (1906-1974), era integrado por Alfredo Rullo Rizzotti (1909-1972), Alfredo Volpi (1896-1988), Clóvis Graciano (1907-1988), Francisco Rebolo Gonçalves (1902-1980), Fulvio Pennacchi (1905-1992), Humberto Rosa (1908-1948), Manoel Martins (1911-1979) e Mário Zanini (1907-1971).

Naturezas-mortas – Dessa fase, surgiram várias paisagens da cidade, revelando, como explica Lisbeth, uma São Paulo que se transforma. Bonadei cria também várias naturezas-mortas. “Faz dessas temáticas um campo de reflexão sobre a prática da pintura. Trabalha sempre os problemas de construção do espaço plástico, pesquisando a cor e o valor da pincelada.”

Lisbeth destaca a constante busca de Bonadei, pontuada através de uma produção singular. Ao mesmo tempo em que se integra no contexto dos acontecimentos artísticos, lutando pela afirmação nas artes plásticas, ele pesquisa a abstração. “Bonadei foi um pioneiro na pesquisa da abstração, discutindo, com seu trabalho plástico, os principais problemas formais decorrentes dessa vertente artística, muito embora não aderisse frontalmente a ela”, analisa Lisbeth. “Mas as questões que embasam a compreensão do sentido do abstracionismo, como a pesquisa da cor, a aproximação com a música, as indagações sobre a percepção formal, a liberação do lirismo e o gesto estão todas presentes em suas preocupações e são postas em evidência quando procura um novo modo de representação, investigando o espaço pictórico.”

A polêmica entre figuração e abstração dos anos 50 está presente nas telas de Bonadei. “É preciso ressaltar que, mesmo perfeitamente inserida no momento histórico, a obra do pintor apresenta sempre características peculiares, em face das novas correntes, ora assimilando-as, ora acrescentando-lhes inovações”, observa Lisbeth. “Na produção abstrata daquela época, encontramos uma liberdade maior do pintor face à tela. Num ímpeto evocativo de sentimentos, ele se surpreende com os resultados que obtém e os anota em seu diário. Nascem trabalhos mais geometrizados ou mais gestuais e parece haver, segundo seus apontamentos, certa gestualidade mesmo onde a linha surge com um traçado quase rígido, ou mais construtivo, na medida em que ele executa o desenho num gesto contínuo, sem interrupções, como num ato de expansão e arrojo.”

A mostra tem como meta resgatar o percurso único de Bonadei, que não rejeitava conhecimentos e experiências anteriores. “Agia por um processo de acumulação, buscando explorar as aberturas trazidas através de cada uma de suas experiências. Na história da arte brasileira, poucos artistas tiveram tão grande envolvimento com a pesquisa plástica. Foram pesquisas de materiais, de meios de expressão artística e das principais tendências que marcaram o projeto estético da época em que viveu, além de reflexões sobre o seu próprio trabalho. A busca de inovação na arte de Bonadei é sempre uma constante.”


 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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