Fotos: Francisco Emolo |
Depois de 24 anos trabalhando com crianças de 3 a 6 anos
de idade, a professora Maria José Leal teve a oportunidade
de participar de um curso oferecido pela Secretaria de Estado da
Educação em parceria com a USP e a Pontifícia
Universidade Católica (PUC) de São Paulo. “Eu
não estava em época profissional de fazer ‘qualquer
coisa’, porque com a minha experiência não é ‘qualquer
coisa’ que a gente aceita”, diz. No entanto, a participação
no Programa de Educação Continuada (PEC), voltado
para a formação de professores das séries
iniciais do ensino fundamental, superou todas as suas expectativas.
“Não imaginei que seria tão bom assim”,
diz Maria José. Ao longo dos dois anos em que participou
do PEC (2003 e 2004), a professora afirma não lembrar de
qualquer momento que tenha sido improdutivo ou desperdiçado,
tanto nas aulas presenciais quanto no trabalho a distância
pela internet, no uso do material didático ou nos debates
com a tutora de sua turma. “Recomendo que quem tiver oportunidade
vá de olhos fechados fazer o curso, porque vale a pena”,
diz.
A origem do PEC está ligada à exigência da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),
promulgada em 1996, que estabeleceu que até 2006 os professores
das primeiras séries do ensino fundamental deveriam ter
formação superior. A primeira edição,
chamada de PEC – Formação Universitária,
foi realizada de agosto de 2001 a dezembro de 2002, proporcionando
graduação em nível superior para 6.300 professores
da rede estadual de ensino de São Paulo. Na época,
a Unesp também participou, ao lado da USP e da PUC. Além
das aulas, realizadas de segunda a sábado, em turmas de
cerca de 40 pessoas, os alunos-professores tiveram contato com
ferramentas de ensino baseadas na informática e videoconferências
com professores das universidades envolvidas.
O programa em ação (acima e no alto da página): formação
fortalecida
Dimensão humana – Em 2003, ocorreu a primeira edição
do PEC – Municípios, voltado para professores da rede
pública municipal. Cerca de 4.500 alunos-professores foram
formados, como Maria José Leal. Desses, 1.952 participaram
das 60 turmas coordenadas pela USP, em aulas de segunda a sexta, à noite,
e aos sábados pela manhã. Um sábado por mês,
os encontros se estendiam até a tarde. A atual edição
do PEC – Municípios iniciou suas atividades em julho
de 2006, com encerramento previsto para abril de 2008.
Na USP, são 27 turmas, sempre formadas na região
em que vive e atua o professor, com um total de 1.150 alunos. O
trabalho envolve ainda tutores, orientadores e assistentes. Os
alunos-professores também participam das semanas presenciais,
quando vêm à Universidade para desenvolver uma série
de atividades e visitas. A última semana presencial na USP
foi realizada de 15 a 20 de janeiro.
A coordenadora do PEC na USP é a professora Marieta Nicolau,
da Faculdade de Educação. No livro Uma experiência
de formação de professores na USP – PEC, publicado
no ano passado pela Imprensa Oficial, a professora salienta que “foi
uma preocupação constante da coordenação
não esquecer ou minimizar um dos pilares mais importantes
do projeto – a sua dimensão humana – sem o que
todo o aparato tecnológico não lograria êxito”.
Marieta ressalta cinco pontos fundamentais do trabalho: os alunos-professores
como alvo principal; valorização dos tutores; princípio
de trabalho em equipe; compreensão do mundo atual, com atitudes
flexíveis e coerentes visando ao bem-estar de todos; e busca
da competência.
Participar do PEC não é uma experiência da
qual se saia sem mudanças. Entre aquelas apontadas pelos
alunos-professores, estão a perda do “medo dos computadores”,
a melhoria da auto-estima, um novo olhar sobre o aluno, maior criticidade
e desenvoltura ao falar e escrever, além da valorização
da formação contínua. “O PEC é uma
experiência inovadora da maior importância”,
diz a professora Sonia Penin, diretora da Faculdade de Educação. “A
educação básica necessita desse processo de
formação contínua e interação
com a Universidade, e o próprio depoimento dos professores
atesta isso.”
Em seu texto no livro sobre o PEC, a professora Myriam Kra-
silchik, vice-coordenadora do programa na USP, afirma que “no
PEC, combinam-se elementos das culturas digital e impressa possibilitando
o estudo independente em grupo de material para leitura e atividades.
As múltiplas mudanças no que se espera constitua
uma nova comunidade educacional terão como base a diversidade
e a capacidade de adaptação dinâmica de elementos
interdependentes, e estão sendo objeto de análise
a curto, médio e longo prazo. Espera-se que provoque, além
de um efeito direto nos alunos do curso, um impacto indireto em
milhares de alunos da escola pública”..
Sonia Penin: iniciativa pioneira |
“Um marco” – Para Angelita Cararetti Pinto,
professora da rede municipal de Atibaia, a mudança não
chegou sem algum receio. “Eu já tinha parado de estudar
há bastante tempo. Era também mais um compromisso
sério, e eu tenho casa, tenho filhos, trabalho o dia inteiro.
Mas resolvi tentar, porque percebia que era preciso evoluir. Vi
que estava acomodada na área profissional e resolvi enfrentar”,
conta. Para ela, o PEC reforçou o trabalho nas escolas da
cidade, “que já vinha sendo feito de uma forma diferente,
mais aberta. Você sabe o que está fazendo, sabe que
está no caminho certo, tem uma direção, tem
parâmetros para seguir. Isso me deu segurança em relação
ao trabalho”, completa.
Maria José Leal vai mais longe. “Na minha vida considero
o PEC um marco”, diz. A professora explica que se sentia
desgastada depois de enfrentar por mais de duas décadas
as salas de aula com 35 a 40 crianças de três a seis
anos de idade. Ao participar do programa, “percebi uma injeção
de ânimo e passei a fazer com meus alunos algumas coisas
que fazia lá no meu início de carreira, com o mesmo ímpeto,
mas com muito mais respaldo teórico”. Ela faz questão
de registrar a importância da professora Marieta Nicolau
na coordenação do PEC na USP, que lidera um trabalho “de
primeiro nível” com “muita garra e carisma”.
Maria José estava ainda na metade da formação
no PEC quando prestou concurso para direção de escola
na prefeitura de São Paulo. “Fiz como treineira e
fui aprovada”, diz. “Não havia em todo o concurso
um só ponto que não houvesse sido trabalhado no PEC.” Agora
diretora do Centro de Educação Infantil Roberto Arantes
Lanhoso, da Coordenadoria do Butantã, a professora continua
aplicando os conhecimentos adquiridos no curso. Mesmo em meio à montanha
de encargos administrativos, é preciso não perder
o olhar pedagógico, pois “o diretor é um professor
que está no cargo de gestão”. Mais uma lição,
diga-se, sempre ressaltada no PEC.
Parceria com as escolas
Uma das iniciativas nos campi da USP no interior
que contribuem com o aprimoramento constante de professores da
rede pública de ensino está localizada no Laboratório
Interdisciplinar de Formação do Educador (Laife),
centro de ensino e extensão mantido pela Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da USP de Ribeirão Preto (FFCLRP).
Criado em setembro de 2001, o Laife inicialmente destinava-se a
proporcionar espaço para que os alunos de licenciatura da
unidade planejassem e preparassem atividades para levar à sala
de aula em seus estágios.
Dentre os projetos criados para a comunidade interna está o
Calendário Biológico na Creche Carochinha, que funciona
no campus de Ribeirão Preto. A professora Clarice Sumi Kawasaki – uma
das coordenadoras do Laife – acompanhou o ciclo de vida das árvores
do campus durante três anos, observando, por exemplo, as épocas
de floração e queda de folhas de espécies
como ipês e paineiras. Colhidas as informações,
Clarice criou várias atividades destinadas a desenvolver
nas crianças as noções de tempo a partir dos
fenômenos e ciclos naturais. “Com isso trabalhamos
também aspectos da
biologia e de educação ambiental”, salienta.
Alunos e professores de escolas da região vão ao
campus para participar de outros projetos, como as Trilhas da Biodiversidade – visitas
monitoradas à floresta da USP – e Observação
do Céu e Astronomia, que inclui palestras, oficinas e acompanhamento
de fenômenos astronômicos. Bolsistas e estudantes de
graduação da FFCLRP também aproveitam essas
e outras atividades para aprimorar sua formação e
interagir com a comunidade escolar. Embora seja difícil
estimar o número de estudantes e educadores que já “passaram
pelas mãos” do Laife, é certo que eles contam-se
aos milhares, enquanto as escolas e instituições
envolvidas ultrapassam
as duas centenas. Teia do Saber – Com o passar do tempo, o Laife começou
a oferecer cada vez mais atividades de extensão voltadas à comunidade
externa. Em 2005, por meio de concorrência, o laboratório
foi selecionado, pela Diretoria de Ensino de Ribeirão Preto,
para integrar a Teia do Saber, programa de formação
continuada da Secretaria Estadual de Educação. Ao
longo de um semestre, professores de biologia, química e
física da rede estadual participam, todos os sábados,
dos três módulos do programa. Os cursos oferecem subsídios
para elaboração de projetos de ensino e de material
didático
a serem utilizados em sala
de aula. “O retorno é
bastante positivo”, diz a professora Clarice.
A coordenadora do Laife defende que a relação entre
a Universidade e a comunidade escolar seja cada vez mais estreita.
Uma de suas metas é fazer com que os professores que participam
da Teia do Saber se tornem parceiros no acompanhamento dos estágios
dos alunos da FFCLRP. Por enquanto, há apenas seis professores
envolvidos nessa iniciativa. “Nós formamos professores
aqui, mas, se tivermos um parceiro que acompanhe o estágio
na escola, nosso aluno seria como um médico fazendo uma
boa residência”, compara.
Professora de biologia, Sandra Maria Navarro ainda não é parceira
da FFCLRP, mas acaba de se oferecer para se tornar uma. Ela define
sua participação na Teia do Saber no Laife como “uma
experiência fantástica. O programa oferece uma outra
visão, especialmente em questões de metodologia”,
diz a professora, que se graduou numa faculdade particular de Ribeirão
Preto há três anos. Trabalhando na Escola Estadual Winston Churchill, em Sertãozinho,
Sandra tem procurado colocar em prática os conceitos que
aprendeu. Um dos projetos envolve professores de todas as disciplinas
em oficinas sobre saúde e qualidade de vida, levando aos
alunos a discussão sobre alimentação.
Sandra não pretende se tornar parceira do Laife sozinha:
vai levar junto a irmã, que também é professora,
e segue fazendo propaganda de iniciativas como a Teia do Saber. “Sempre
que tiver oportunidade vou fazer os cursos, e incentivo os outros
também a fazê-los”, conclui.
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