A historiografia econômica e empresarial brasileira
A compreensão do processo de desenvolvimento brasileiro passa necessariamente pelo conhecimento da história de êxitos dos grandes empresários brasileiros. Foi apoiado nessa percepção que o professor Jacques Marcovitch preocupou-se em descortinar no primeiro volume da pesquisa “Pioneiros e Empreendedores - A Saga do Desenvolvimento no Brasil” a trajetória da família Prado, de Nami Jafet, Francisco Matarazzo, Ramos de Azevedo, Jorge Street, Roberto Simonsen, Julio Mesquita e Leon Feffer, presentes no livro.
por José Matias Pereira. Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Brasília (PPGA/UnB)
A leitura do primeiro volume do livro do professor Jacques Marcovitch – que vem preencher de forma brilhante uma lacuna na historiografia econômica e empresarial do Brasil -, torna possível conhecer de maneira mais clara a história da transformação econômica do Brasil nos últimos dois séculos. "A Saga do Desenvolvimento no Brasil", ao narrar os casos e dificuldades da família Prado, Nami Jafet, Francisco Matarazzo, Ramos de Azevedo, Jorge Street, Roberto Simonsen, Julio Mesquita e Leon Feffer, nos permite conhecer, de forma detalhada, um período pouco estudado da nossa história econômica. Dessa leitura é possível constatar que, o sucesso de qualquer empreendedor – que reflete no nível de desenvolvimento do país -, está diretamente ligado a sua capacidade de buscar conhecer o passado, para enfrentar o presente e dessa forma construir o amanhã.
Assinala Marcovitch, logo no primeiro capítulo do livro – Lições de empreendedorismo -, que utilizou como critério de escolha dos nomes dos empreendedores selecionados, além do êxito econômico alcançado e a presença de características comuns do empreendedorismo como visão de futuro, sensibilidade estratégica e capacidade de inovação, aqueles indivíduos que apresentaram singularidades marcantes e, de certa forma, representativas de determinados tipos de empresário. Assim, os Prados representam a transição entre o Brasil do café e o Brasil moderno; Matarazzo, o pioneirismo da grande indústria; Street, a consciência social; Feffer, a aposta na tecnologia; Jafet, a revolução do varejo; Simonsen, a preocupação com a macroeconomia; Julio de Mesquita, como jornalista e empreendedor, e Ramos de Azevedo, por sua atuação como arquiteto, construtor e empresário inovador.
Pode-se constatar, como traço comum, que todos os pioneiros e empreendedores selecionados pelo autor revelaram, durante a ascensão empresarial, uma grande abertura de espírito, e na sua quase totalidade, foram submetidos desde jovens a adversidade e choques culturais. Fica evidenciado nas narrativas que os contratempos decorriam muitas vezes de fases turbulentas que marcaram as suas infâncias ou adolescências, em momentos de tensões históricas, quando não de dificuldades e até de penúria na vida pessoal. Alguns deles, na condição de imigrantes, distantes de suas culturas de origem, enfrentaram desde cedo barreira de outros hábitos, valores e regras sociais. Isso permitiu que eles desenvolvessem uma sensibilidade aguçada e enorme capacidade para a absorção de novas informações.
Fica evidenciado na leitura do livro – que narra de maneira objetiva e agradável a história desses extraordinários empreendedores - que o principal objetivo do autor é sensibilizar as gerações atuais para a relevância da contribuição desses brasileiros e imigrantes que, mesmo diante das adversidades, deixaram um legado de experiências e sucessos nas suas atividades empreendedoras. Nesses relatos estão contidas as experiências das capacidades individuais e de competência na gestão de negócios, num contexto recheado de obstáculos, visto que o país encontrava-se num estágio incipiente de sua formação econômica e social (Celso Furtado. 1984. Formação Econômica do Brasil. 19ª edição, São Paulo, Cia. Editora Nacional). Assim, apesar da existência de um cenário repleto de dificuldades - numa época onde não havia experiência acumulada ou regras que pudessem servir de guia para decisões -, significativos complexos empresariais foram construídos. As opções e decisões adotadas por empreendedores, incluindo aquelas que não foram as mais acertadas, sinalizam os caminhos percorridos pelos personagens deste livro, que marcaram a vida econômica do país nos dois últimos séculos, no período que vai da Primeira República ao golpe militar de 1964.
é necessário reconhecer, mesmo para os estudiosos do assunto, diante da carência de pesquisas nessa área, que não é fácil compreender com exatidão os impactos provocados pelo crescimento populacional e agrário do país e como foi o início da industrialização brasileira. Com a leitura do livro, conhecendo o “sendero" destes heróis que ajudaram a construir e modernizar o nosso país, fica mais fácil obter as respostas dessas e de outras indagações, reveladas em detalhes pelo viés do pioneirismo, numa abordagem que realça como foram enfrentadas adversidades e imponderáveis, nas "trilhas tortuosas da política, do crédito escasso e o quase inalcançável apoio aos seus esforços". Nesse contexto, é oportuno recordar que, os cafeicultores brasileiros, mesmo reconhecendo a importância da industrialização, se opunham à proteção da indústria nacional e do empresariado industrial, que necessitava contar com o apoio do Estado para modernizar o segmento industrial no país (Fernando Henrique Cardoso. 1971. Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico no Brasil. 2ª edição, São Paulo, Difusão Européia do Livro).
Além das consistentes narrativas biográficas dos empreendedores selecionados por Marcovitch, merece destaque, também, o capítulo final que trata de rupturas e empreendedorismo, no qual busca traçar um paralelo entre o passado e o presente, chamando à atenção para o mundo novo que nos rodeia - com suas atuais ou iminentes provocações -, no qual o empreendedor deve estar preparado para ouvir e enfrentar os novos desafios impostos sistematicamente pela modernidade. Para o autor, com o qual estou de pleno acordo, no seu conjunto, as rupturas estão fomentando a geração de uma nova civilização, que está vivenciando novas situações, que se apresentam cada vez mais complexas.
Lembra Marcovitch que, se ainda vale muito a intuição que guiou os pioneiros na jornada descrita ao longo dos dez capítulos deste primeiro volume de sua pesquisa, agora o empreendedorismo é algo que também se aprende na escola e obedece a parâmetros exteriores. Dentre estes, as novas rupturas tecnológicas, o fragor da competitividade e o eterno fluxo e refluxo das crises. Ressalta, entretanto, apesar dos obstáculos naturais em todos os projetos de vida, que os novos empreendedores têm maior facilidade em sua corrida para o êxito, desde de viagens rápidas e confortáveis até o acesso mais fácil ao conhecimento, à tecnologia e ao financiamento.
é oportuno registrar que, a receita para o desenvolvimento de um país como o Brasil é bastante conhecida da grande maioria dos economistas e dos empresários brasileiros: melhorar a competitividade e a habilidade para exportar (José Matias Pereira. 2003. Economia Brasileira. São Paulo, Editora Atlas). A viabilização desse objetivo, entretanto, exige iniciativas criativas, projetos ousados e visões arrojadas. Para tornar isso possível é preciso contar com a contribuição dos empresários, notadamente daqueles com perfis empreendedores diferenciados. A trajetória dos empresários escolhidos por Marcovitch confirma que o Brasil é um país privilegiado no campo do empreendedorismo. E isso não aconteceu por acaso. O Brasil vem cultivando o empreendedorismo desde de um tempo em que sequer existia um fenômeno com tal designação. Essa constatação reforça o argumento do autor, quando afirma que o desenvolvimento é um processo que abrange muitas gerações, cada uma honrando a herança deixada pela anterior.
Estou convencido que as narrativas de Marcovitch neste primeiro volume da pesquisa “Pioneiros e Empreendedores - A Saga do Desenvolvimento no Brasil”, irão contribuir decisivamente para fixar na memória dos seus leitores, particularmente daqueles que possuem o viés empreendedor, que o ocorrido no passado é tão importante quanto o que está ocorrendo e o que vai ocorrer. Essas constatações tornam o livro uma leitura obrigatória e uma fonte de estímulo para os empresários brasileiros, bem como para aqueles que se preocupam em aprofundar seus conhecimentos na área de historiografia econômica e empresarial do Brasil, especialmente os pesquisadores e estudantes dos cursos de graduação e pós-graduação em Administração e Economia.
José Matias Pereira
Professor-Pesquisador e ex-Coordenador de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Brasília (período 2002/2003).
Doutor em Ciência Política pela Universidade Complutense de Madri, Espanha.
E-mail: matias@unb.br
(*) Jacques Marcovitch. 2003. Pioneiros e Empreendedores - A saga do desenvolvimento no Brasil. São Paulo. EDUSP. 320 páginas, R$ 38,00.
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