Este trabalho realiza um exame da narrativa “A velha” enfeixada na coletânea póstuma Ave,
palavra (1970) de Guimarães Rosa. Por meio de uma pesquisa bibliográfica que integra a Literatura e a sua análise crítica ao discurso histórico, pretende-se demonstrar como episódios da história ocidental no século XX infiltraram-se na particular inscrita desse autor brasileiro, como o cosmopolitismo do terror forjado pelo regime totalitário na Alemanha nazista e a crescente perseguição às minorias sionistas na década de 1930.
O artigo a presenta exemplos da recepção da cultura alemã por João Guimarães Rosa, com base em declarações do escritor e documentos e anotações disponíveis no Instituto de Estudos Brasileiros (USP). Problematiza a postura assumida por Rosa diante da Alemanha, tendo em vista o fato biográfico de sua atuação como diplomata em Hamburgo, entre 1938 e 1942, e a clara remissão a esse fato em três contos publicados em Ave, palavra. As referências sempre elogiosas à cultura alemã e a parcimônia nas manifestações sobre o nazismo, por parte de Rosa, são curiosamente suspensas nos aqui chamados "contos ale mães" ("O mau humor de Wotan", "A senhora dos segredos" e "A velha"). Os textos são marcados pelo olhar crítico e a uto-reflexivo de um diplomata brasileiro e m Hamburgo, que nos três contos aparece como narrador-personagem. Destaca-se aí o problema da concessão de vistos de imigração pelo Estado brasileiro, capítulo delicado de nossa história, vivi do de perto pelo autor de Grande sertão: veredas.
Este ensaio discute a relação entre a crítica genética e a biografia, a partir do exame dos bastidores da criação, das experiências vividas pelos autores ligadas à produção literária e existencial. A intenção de reunir esses dois polos permite expandir o registro documental dos autores como tentativa de recuperar estágios pré-textuais e estágios pré-vivenciais.
Teorias críticas dos últimos anos contribuíram para o gradativo apagamento do interesse pelas pesquisas em fontes primárias, ao ser valorizado o texto na sua integridade estética, sem o interesse pelos bastidores da criação. É significativo o retorno da crítica em direção à figura do autor que, na pesquisa dos acervos, reaparece com seu traço e resíduo, sua marca autoral. Um esboço de biografia intelectual emana desses papéis, ao serem incorporados ao texto em processo. Os bastidores da criação, as experiências vividas pelos autores ligadas à produção literária e existencial, constituem lugares ainda desconhecidos pela crítica, e que deverão ser levados ao conhecimento público. A crítica genética, responsável pela elucidação da gênese da escrita, participa ainda do aparato biográfico, considerando ser importante processar o cotejo entre manuscrito e texto definitivo dos autores, ao lado da trajetória literária do escritor, sua relação com os instrumentos de escrita, assim como do lugar escolhido para exercer seu oficio.