Este ensaio discute a relação entre a crítica genética e a biografia, a partir do exame dos bastidores da criação, das experiências vividas pelos autores ligadas à produção literária e existencial. A intenção de reunir esses dois polos permite expandir o registro documental dos autores como tentativa de recuperar estágios pré-textuais e estágios pré-vivenciais.
Este ensaio se concentra na relação entre o escritor/diplomata Guimarães Rosa e o imaginário húngaro, a partir da interpretação realizada pelo olhar brasileiro frente ao estrangeiro. O prefácio de Rosa aos contos húngaros traduzidos para o português por Paulo Rónai (publicado em 1957) evidencia a sensibilidade poética do escritor em estabelecer pontes entre culturas, a princípio distantes entre si. O texto tem a assinatura de Rosa, por apresentar uma leitura da cultura húngara de forma a aproximá-la de sua própria concepção literária, de natureza ao mesmo tempo cosmopolita e local. A relação de Rosa com Paulo Rónai se inscreve no âmbito da construção poética/tradutória do escritor, o qual já se exercitava, na sua estada em Hamburgo como vice-cônsul (1938/42), na mescla heteróclita entre línguas e culturas. O encontro dos autores/tradutores possibilitou a leitura cruzada entre Brasil e Hungria.
A intenção em colocar os textos em confronto obedece à proposta de desdobramento dos temas aflorados pelo Diário de guerra, de Guimarães Rosa, pela coincidência verificada, no conto de Kafka e no texto de Coetzee, a respeito das experiências científicas relativas à evolução da espécie: em Kafka, essas experiências sofrem o processo de metaforização; em A vida dos animais, são documentados e discutidos de forma irônica e sob vários pontos de vista.