Este trabalho aborda as questões da memória e da oralidade na narrativa de Guimarães Rosa. Adotamos uma análise comparativa entre a novela A história de Lélio e Lina e o respectivo registro oral – em forma de documentário – feito pelos Grupos de Contadores de Histórias de Cordisburgo e do Morro da Garça, em Minas Gerais. Analisamos no texto roseano transposto para o suporte audiovisual o que se mantém em um e outro e verificamos os possíveis efeitos que causam ao leitor e ao espectador. Na transposição, se a memória do texto escrito permanece, os elementos da oralidade e da memória sertaneja adquirem outra dimensão na fala dos narradores. Referenciamo-nos no livro A memória Coletiva, de Maurice Halbwachs, e na entrevista de Guimarães Rosa a Gunter Lorenz, na qual o escritor enfatiza aspectos decisivos de sua escrita, sua relação com a língua e linguagem e sua memória em relação ao sertão.
Algumas observações a respeito da filmografia da obra de Guimarães Rosa nos levaram ao pressuposto de que a linguagem roseana contém uma potencialidade sonora e visual que estabelece proximidades entre escrita e cinema. Tal aproximação, antes de se configurar como um dado facilitador das adaptações, transforma-se num desafio para os cineastas, que procuram na imagem em movimento diferentes formas de atualizar o texto do escritor mineiro, fundando, assim, uma relação de memória com a escrita de Rosa. Apresentaremos as reflexões sobre o modo como o espaço sertanejo, os personagens infantis e os animais domésticos são retomados do texto e inseridos nos filmes Mutum, de Sandra Kogut, e Animaizinhos, de Anita Leandro e Elisa Almeida, as duas adaptações cinematográficas da novela Campo Geral.
Nosso propósito é refletir sobre como é possível, ao cinema e à literatura, chegar a formas de diálogo em que se diluem as fronteiras no processo criativo das narrativas literária e fílmica. Para explorarmos alguns métodos de adaptação pelo cinema que se desenvolvem como processos de criação paralela à obra escrita, enfatizamos o modo como o primeiro encantamento de Riobaldo e Diadorim, ainda meninos, salta das páginas de Grande Sertão: Veredas para ser redimensionado como outra forma de poesia audiovisual em Rio de-Janeiro, Minas, curta-metragem de Marily da Cunha Bezerra, cuja sensibilidade atualiza o texto escrito, potencializando as dimensões sonora e visual presentes na palavra roseana.