A obra de um escritor como Guimarães Rosa provoca diferentes pontos de vista entre os que encaram o desafio de estudá-la. Diante da multiplicidade interpretativa promovida por meio da produção literária do autor, uma primeira dificuldade em que a perspectiva crítica se depara é o desafio de buscar uma maneira para lidar com uma obra multifacetada e de múltiplas dimensões. Assim, objetiva-se por meio deste estudo conhecer e entender como foram recebidas suas primeiras publicações, considerando os diferentes posicionamentos da crítica literária. Procura-se oferecer maior destaque às apreciações divulgadas na efervescência das primeiras publicações do escritor, noticiada por meio da crítica jornalística, levando em consideração os aspectos positivos e negativos. Para tanto, foram analisados textos críticos da ocasião em que se processou a leitura inicial da obra – a partir da década de 1940. É preciso considerar que a recepção das primeiras publicações da obra de Rosa reproduz o momento da crítica literária no Brasil, marcado pelas polêmicas e embates travados nesse âmbito. Textos de Flora Süssekind, Eneida M. de Souza e Silviano Santiago norteiam a discussão, os quais se estendem a um referencial histórico sobre o processo de transformação ocorrido na crítica literária no Brasil e a transição da crítica “não especializada” (crítica de rodapé) para a crítica especializada (crítica acadêmica). Esse período (décadas de 1940 e 1950) é um tempo de mudanças e implantação de novos modelos críticos, cujos desdobramentos se estendem até a contemporaneidade.
A partir da realização de leituras e estudos relacionados ao que se falou acerca da obra de Guimarães Rosa, surgiu o interesse em analisar mais cuidadosamente a maneira em que se deu o processo da recepção de sua produção pela crítica literária brasileira. Busca-se examinar neste estudo o quanto a atitude receptiva do leitor ilustra o modo pelo qual a recepção tem um peso singular na constituição de um cânone e na historicidade da obra. Deste modo, a pesquisa trata de uma investigação no âmbito da leitura sobre as diferentes maneiras de recepção de uma produção literária, no caso Primeiras Estórias de João Guimarães Rosa, avaliando como o leitor crítico compõe e atualiza o quadro da leitura do livro em questão. Para tanto, o levantamento bibliográfico sobre o conjunto da produção crítica rosiana foi recolhido de recortes de jornais – colecionados pelo próprio Guimarães Rosa e preservados no Arquivo do autor no Instituto de Estudos Brasileiros na USP –, produzidos pela crítica impressionista no decênio compreendido entre os anos de 1962 a 1972; e em teses de doutoramento, dissertações de mestrado, artigos e ensaios publicados em revistas especializadas e livros, advindos da crítica acadêmica contemporânea, produzida entre os anos de 2003 a 2013. Como referência teórica norteadora utilizou-se especialmente a Teoria da Estética da Recepção, a partir das ideias de Hans Robert Jauss (1994) e de outros estudiosos, a exemplo de Antoine Compagnon (2012) e Antonio Candido (1973). A análise desse material coletado refere-se ao período da formação da crítica literária no Brasil, o que permite a reconstrução do processo de recepção e de suas conjecturas, uma vez que restaura a dimensão histórica da pesquisa, assinalando as mudanças ocorridas no cenário da crítica literária brasileira. Procura-se mostrar que a narrativa lacunar de Primeiras Estórias, publicado em 1962, ao favorecer um diálogo de várias gerações de leitores, sustenta a prerrogativa que tem garantido sua permanência e vitalidade, inquirindo como essas leituras críticas fomentaram a criação do cânone Guimarães Rosa.