Este trabalho apresenta uma breve análise da narração memorialística de Riobaldo, narrador do romance Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa. Uma atenção mais detida ao processo de elaboração da memória possibilita compreender que o romance não pode ser interpretado somente como uma simples rememoração de uma vida de jagunço, ou como a busca pelo entendimento da vida passada, mas, de outro modo, pode ser lido como a ficcionalização do próprio ato de inventar a vida que foi ou a que será, no agora de sua narração.
Este trabalho esboça uma leitura sobre o funcionamento esquemático do projeto ficcional de Guimarães Rosa no conto ‘Os irmãos Dagobé’, que está contido no livro Primeiras Estórias. Enredada na primeira, onde se vislumbra uma possível vitória da modernidade sobre uma lógica considerada arcaica em funcionamento no locus sertanejo, está uma segunda estória, cuja ambiguidade do narrador aponta para vieses complexos, que permitem tecer uma reflexão mais crítica sobre o processo de modernização do Brasil.
Esta dissertação se propõe a analisar alguns aspectos atinentes à relação intertextual que se dá
entre os romances Grande sertão: veredas (1956), de João Guimarães Rosa, e Nhô
Guimarães (2006), de Aleilton Fonseca, sobretudo no que tange aos elementos de composição
utilizados nas suas narrativas, tendo como elo o contexto sertanejo. A análise partiu de uma
noção de intertextualidade, atribuída por Júlia Kristeva (1974) a partir do conceito de
dialogismo bakhtiniano. Assim, buscou-se analisar, primeiramente, os sentidos atribuídos à
palavra sertão no decorrer do tempo e com a invenção de suas imagens a partir de obras como
a do autor mineiro – que, por sua vez, também constrói um diálogo intertextual com Os
sertões (1902), de Euclides da Cunha – além do romance contemporâneo do escritor baiano,
Aleilton Fonseca, que não somente retoma o sertão ficcional como contexto para seu
romance, mas que também cria intertextualmente o próprio Guimarães Rosa como
personagem de sua ficção. Logo, em seguida, alguns aspectos de composição narrativa dos
dois romances foram tomados para a sua descrição e discussão, como a “voz” sertaneja, a
criação de um relato memorialístico, a inventividade da palavra literária, além do aspecto
“autorreflexivo” e pós-moderno do romance de Aleilton Fonseca. Como traço de destaque nos
dois romances, pode-se dizer que se trata de narrativas de misturas de técnicas e de gêneros
próprios da tradição e da modernidade, situação que demonstra a hibridez e a ambivalência de
seus discursos, além de confirmar o aspecto de “mobilidade”, “ambiguidade” e “pluralidade”
que boa parte da crítica rosiana atribui a sua obra. Já o romance Nhô Guimarães, além de
recriação “estilística” de alguns aspectos de composição da narrativa de Guimarães Rosa,
também apresenta traços que situam essa produção dentro do que alguns teóricos e críticos
estão denominando de narrativa “pós-moderna”, devido ao seu aspecto “autorreflexivo” e de
“metaficção historiográfica”, dados não somente pela incorporação de elementos biográficos
do autor mineiro no enredo de seu romance, mas também pela própria recriação estilística de
elementos e cenas do Grande sertão: veredas.