As leituras feitas por Antonio Candido da obra de Guimarães Rosa, valiosas tanto pela complexidade de sua visão analítica como pelo seu poder de disseminação de uma linha de entendimento a ser expandida pelos seus discípulos, têm ainda o mérito de deixar entrever, no caso específico da obra
do ficcionista mineiro, a necessidade de uma multiplicidade de interpretações, capazes de melhor dar conta da riqueza e da complexidade dos textos. O trabalho pioneiro do autor de "O homem dos avessos" abriu caminho para leituras de cunho sociológico e metafísico. Em seu tempo, estas foram complementadas por estudos que vincularam a obra de Guimarães Rosa a contextos de modernidade não necessariamente brasileiros. O presente ensaio lança um olhar crítico sobre essas vertentes e reflete sobre possíveis desdobramentos críticos e teóricos no futuro.
Lido sob a ótica do narrador de focalização zero, "A hora e a vez de Augusto Matraga" apresenta ao leitor o itinerário do protagonista: uma jornada linear de sofrimentos, provações, transformações que conduzem a um destino final que pretende conciliar em harmonia os caminhos e descaminhos do percurso. Atenta a essa perspectiva oferecida pelo narrador, a crítica maior de Guimarães Rosa entende a estória de Nhô Augusto como uma narrativa cristã de ascese em três etapas que, embora definidas de formas diversas, poderia ser pensada em termos de pecado, penitência e redenção. O presente trabalho pretende explorar a dimensão de desvios e rupturas que perturbam esse trajeto linear e nele deixam marcas de ambiguidades e incertezas profundas. Lido dessa forma, o texto apresenta ao leitor, para além de um destino bem definido, o que Jacques Derrida chama de ?destinerrâncias?: um destino que tenta, sem sucesso, negar veredas alternativas capazes, no limite, de comprometer o final feliz da narrativa de ascese.