João Guimarães Rosa e José Luandino Vieira revelaram extraordináriota lento para inventar linguagens. As vozes, respectivamente "brasileiras" e angolanas", portadoras das histórias de João e de José, são tão engenhosamente criadas quanto os eventos concebidos com os agentes de sua dramatização. Se é imediatamente visível esse traço comum aos dois ficcionistas, as marcas diferenciais entre ambos não são menos flagrantes, ficando, desde logo, perceptível que as falas, na obra de um e de outro, têm pontos de origem distintos/distantes, e vêm identifi car falantescujos universos, estritamente linguísticos ou genericamente culturais,onde se projetam suas particularidades pessoais e nacionais, são suigeneris. Examinar alguns pontos desse ângulo de criatividade na ficção dos dois escritores é o objetivo des te trabalho.
DESDE QUE AS CONVENÇÕES CLÁSSICAS SOBRE OS CÂNONES DO DISCURSO COMEÇARAM A SER MAIS LARGAMENTE DESCUMPRIDAS, CONFUNDIRAM-SE TAMBÉM AS FRONTEIRAS DOS GÊNEROS LITERÁRIOS. NESSE SENTIDO, O PRESENTE TRABALHO ANALISA ALGUNS CONTOS DA PRODUÇÃO LITERÁRIA EM LÍNGUA PORTUGUESA OS QUAIS, PRÓDIGOS EM RECURSOS CÊNICOS OU EM OUTRAS LINGUAGENS VISUALIZÁVEIS, ENGENDRAM, COM SUAS HISTÓRIAS, EMBRIÕES DE ESPETÁCULOS, QUE DEMANDARIAM UM ESPAÇO COMO O PALCO OU A TELA PARA CONSUMAR SUA PLENITUDE POTENCIAL DE SENTIDO.
Poderá ser surpreendente fazer pendant de escritores, com Guimarães Rosa e Monteiro Lobato. Mas haverá, no mínimo, a procedência de ser ilustrativo do trabalho que aqui se apresenta. Ficou, em nossa memória mais remota de leituras, que as figuras encantadoras do imaginário infanto-juvenil europeu, em sua coorte de significados, desembarcaram, com Lobato, para nacionalizarem-se em terreiro do Brasil. Mas ficou, também, em nossa memória mais recente de leituras, que o pensamento dos antigos ou “clássicos” da Grécia, em seus sedutores achados, pousou no sertão grande de Guimarães Rosa, transfundindo-se à passagem pelas veredas da metabolização cultural brasileira. Este trabalho tem, então, o objetivo de refletir sobre tal operação, realizada no processo da alquimia literária rosiana, através de recorte estabelecido à volta do conto “A hora e a vez de Augusto Matraga”, de Primeiras estórias.