Constatamos (1): uma primeira assimetria entre as idéias tradicionais e bastante difundidas de que, enquanto a filosofia, uma espécie de super-ciência das essências universais, segundo uma lógica-da-razão, visa “o Real” em seu sentido mais profundo e verdadeiro, a literatura se ocupa antes de certas fantasias regionais, segundo uma lógica-da-imaginação (para a qual não há, enfim, regras sistemáticas), satisfazendo-se com um mundo ficcional e apenas suficientemente verossímil. Bem: quem melhor espelha o real? Quero tentar inverter essa primeira assimetria apontando outra, que a relativiza. Pois constatamos também (2): um lugar onde podemos procurar algo parecido com um “pensamento brasileiro” ou com “o pensamento do Brasil sobre si mesmo” não pode ser de modo algum a filosofia, pois nesse campo, simplesmente, o objeto não existe (isto é, não existe nenhuma “filosofia do Brasil”, mas apenas alguma filosofia “no Brasil”, como todos sabemos muito bem). Enquanto nossa filosofia (sic) parece ser machadiana por excelência – pois ela, cética quanto a si mesma, não parece acreditar possuir uma “alma interior” autêntica: somos, ironicamente, “tropicalistas” e “antropofágicos” por convicção e/ou adesão (ou oportunismo), e nos satisfazemos com as roupagens conceituais que conseguimos imitar das línguas francesa, alemã ou inglesa (em suma), com as quais podemos apenas compor o quadro conveniente de nossa alma exterior, para as oportunidades de consumo local –, enquanto isso é a literatura que tem se empenhado em refletir nossa própria realidade, com maior ou menor competência, com maior ou menor fidelidade ou honestidade.