“Campo geral” - primeira novela de Corpo de baile, de Guimarães Rosa - é narrada em terceira pessoa, mas seu leitor apreende a realidade ficcional da forma como ela é percebida por um menino que tem entre sete e oito anos de idade. O narrador está muito próximo de Miguilim, o que lhe permite a expressão das nuances mais delicadas da subjetividade do menino. A realidade ficcional é apreendida, pois, da perspectiva de uma criança. Além disto, esta criança é extremamente sensível e não se identifica com os valores utilitaristas que vigoram em seu meio. Por isto é arredia e introspectiva, quase isolada; e costuma temer os adultos quase como o contágio de uma doença ruim. Por fim, Miguilim, a criança sob cuja visão nos é dado acompanhar os acontecimentos ficcionais, é míope, metáfora-síntese das limitações de sua perspectiva. Devido a tudo isto, só temos informações vagas e imprecisas acerca de graves acontecimentos que ocorrem na estória. O ponto de vista de “Campo geral”, entretanto, conjuga esta “visão imperfeita” (a de Miguilim) com a possibilidade de ver um pouco além dela. Ainda que o campo de visão do leitor seja limitado às possibilidades do menino míope, o autor cria outras condições de reconhecimento do ambiente e dos conflitos familiares que cercam Miguilim para além de sua capacidade de visão. De forma indireta, e aparentemente quase acidental, ele nos dá a ver o que o menino não pode de várias formas. São estas formas, e o jogo de elucidação e ocultamento que armam, que este estudo se propõe a investigar.