A presente tese, com base em dois textos representativos da literatura latino-americana: Campo Geral (1956), do escritor brasileiro João Guimarães Rosa, e Pedro Páramo (1955), do autor mexicano Juan Rulfo, analisa como a literatura é um importante instrumento de representação, compreensão e de discussão social. Esses dois autores nasceram, cresceram e escreveram sempre ligados a países que passaram por um processo de colonização e de instauração de uma nova sociedade local, pautada no modelo europeu. Com relação às artes, no século XX houve uma ruptura sistemática dessa influência, momento e movimento ao qual Rosa e Rulfo pertencem. Durante esse período, ocorreu a consolidação de uma arte mais representativa do continente latinoamericano, com expressões artísticas que buscavam traços mais fortemente marcados pelas identidades locais e se afastavam cada vez mais da tendência a imitar a arte europeia. Com isso, Rulfo e Rosa, ambientando suas narrativas em regiões interioranas de seus países, contribuem para uma literatura com originalidade e representatividade, que auxilia na construção de uma identidade da América Latina, bem como discutem questões humanas que extrapolam os contornos regionais de suas nações. As obras selecionadas para análise evidenciam como certas estruturas sociais são representadas na literatura de modo a possibilitar que o leitor reflita sobre a organização das sociedades. Assim, nota-se como literatura e reflexão social contribuem diretamente um com o outro, possibilitando a compreensão da dinâmica em que tanto as personagens quanto as pessoas estão envolvidas. Para análise, são destacados três pilares que sustentam estruturas de poder em sociedades latino-americanas até os dias atuais: o patriarcalismo, a religião e a violência, que se mostram presentes na estrutura dos textos rosiano e rulfiano em questão. A presente tese visa discutir como a literatura desses autores representa formas de interdependência e codeterminação desses fatores sociais: o patriarcalismo encontra na religião o discurso adequado para que possa ser legitimado, enquanto religião e patriarcado usam a violência como forma de manutenção da sua ordem. Além da agressão física, que é a mais evidente, as narrativas retratam ainda a violência simbólica e também o medo, sentimento consequente da tradição da violência e uma das bases para a manutenção do poder no sistema religioso. Com isso, nas obras estudadas, analisa-se como Bero, em Campo Geral, e Pedro Páramo, no livro homônimo, representam esse poder patriarcal mantido de forma violenta. Para tal, subjugam as mulheres e as crianças que, nesse sistema, não possuem voz e ficam à mercê das decisões autoritárias. Também é discutido o papel das personagens Vó Izidra, em Campo Geral, e padre Rentería, em Pedro Páramo, que representam o poder religioso, indicando o quanto a religião cristã, presente nos textos analisados, é utilizada para manter estruturas sociais como poder patriarcal.