A polifonia como o procedimento literário que, por meio de efeitos mundiais, dá voz às múltiplas vozes do sistema-mundial. Mas do outro lado, uma ideologia autoritária e monológica, amenizada por aspirações utópicas, ditando ou orquestrando essa polifonia: Riobaldo. Patriarca sagaz e carismático, mostraremos como esse narrador dúbio e digressivo conta a história do avanço da civilização sobre o sertão, enfatizando poeticamente o que há de épico e ocultando retoricamente o que há de prosaico nesse feito que, enfim, é tão comum ao mundo moderno: a assimilação de uma zona periférica e em conflito (leia-se, improdutiva) ao sistema-mundial.
Buriti, de Guimarães Rosa, é um enigma. Conto/novela/poema narrado em flashback, o
texto abre-se a uma pluralidade de leituras. A polifonia e o desvio do uso convencional da
linguagem são estratégias que prendem o leitor, encantado com a originalidade dos
experimentos linguísticos do ficcionista mineiro. Este artigo tem como objetivo apontar
algumas das qualidades do texto rosiano presentes em Buriti, com especial destaque para a
grande riqueza das palavras, a multiplicidade de focos narrativos e o uso do flashback.
Neste trabalho, apresento a ousadia de um discurso que percorre várias instâncias da criação literária de João Guimarães Rosa, sobretudo a que diz respeito à busca da poesia. A novela em estudo é um exercício audacioso da escrita rosiana, por meio da qual o autor cria estratégias discursivas de revelação e velamento dos significados, que, ao final, culminarão no único significado que importa: a procura da poesia, simbolizada pelo emprego recorrente do pronome "quem”, reformulado na expressão o "quem das coisas". As reflexões aqui propostas apontam para a polifonia do discurso,
muito explicitada nas vozes de vários personagens desta narrativa, e das viagens realizadas
pelo protagonista e pelos leitores, na tentativa de decifrarem o “quem” das coisas. O texto em análise se constrói como o lugar da busca, não de um caminho, não de alguém, mas da palavra em estado de poesia. Nesse sentido, o presente artigo pretende mostrar que o discurso na novela Cara de Bronze é um encontro com as coisas não utilitárias, mas necessárias, sendo a musicalidade da poesia a única meta a ser alcançada. Analisar as estratégias discursivas do autor é, portanto, o foco das reflexões a seguir.