Propõe-se neste artigo uma análise das relações entre fragmentação e ideologia nas Teses sobre a filosofia da história, de Walter Benjamin, e no Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa. Em que pesem as diferenças importantes de foco e estilo entre essas obras, os dois escritores guardam em comum a coerência entre a matéria do seu compromisso crítico e a estruturação fragmentária com a qual teceram cuidadosamente os seus textos. No romance de Rosa, isso se evidencia pela construção do enredo e os aforismos que pontuam momentos diversos da narrativa; nas teses benjaminianas, pela montagem das seções e das frases, infensas a uma harmonia e articulação estreitas que findariam por ocultar as contradições da própria realidade história. Com semelhante procedimento, tais
experiências buscam contribuir à crítica da ideologia e ao delineamento de espaços por onde ainda se insinuariam possibilidades utópicas. Não se excluem os aspectos trágicos do exercício, que manifestam a peculiaridade da recepção da cultura clássica nos dois autores.