Coletânea de artigos, fruto de uma parceria entre a USP e a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), retoma o debate dos anos 60 e 70 sobre a incompatibilidade da convivência entre a escravidão e as ideias liberais no Brasil do século 19. Outro tema discutido na obra é a dita defasagem do Brasil quando comparado à Europa na época.
O livro Monarquia, liberalismo e negócios no Brasil: 1780-1860 não se baseia nas ideias de atraso e progresso, subdesenvolvimento e desenvolvimento, centro e periferia. Ao contrário, busca “questionar tudo isso e mostrar que a sociedade brasileira estava perfeitamente adequada ao seu tempo e que a escravidão era parte constitutiva do movimento de configuração do capitalismo e da acumulação de capitais no país”, explica Cecília Helena de Salles Oliveira, uma das organizadoras da coletânea.
A obra propõe uma nova visão sobre o poder e a sociedade durante o período imperial se utilizando da análise dos negócios nas suas formas mais cotidianas. A coletânea aborda o processo de formação do Império brasileiro a partir das relações entre monarquia constitucional, liberalismo, negócios e escravidão. “O sentido maior encontrado em cada um dos textos é justamente a relação entre política e práticas mercantis”, conta a organizadora.
Os artigos, escritos por pós-graduandos na área de História da Unicamp, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e do Museu Paulista, ambos da USP, foram organizados por Cecília, docente do Museu e do Programa de Pós-Graduação em História Social da USP, e Izabel Andrade Marson, professora do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. “Essa coletânea só vem também abrilhantar os programas de pós-graduação em História, mostrando como é possível, em programas como estes na Unicamp e na USP, a produção de conhecimentos e de artigos que contribuam com a historiografia brasileira”, coloca a professora.
A publicação da Edusp (Editora da Universidade de São Paulo), produzida com financiamento do Museu Paulista, do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), polemiza com interpretações consagradas da história do Brasil ao debater e negar três afirmações. A primeira delas é a existência de uma herança colonial na sociedade brasileira do século 19 que impossibilitava o desenvolvimento da nação. Em segundo lugar, a concepção do Império como um momento de transição entre o Brasil Colônia e o Brasil República. E por fim, o descompasso entre a vida no Brasil e na Europa.
“Há muitos historiadores que até hoje acreditam que o Brasil foi uma sociedade atrasada em relação às demais em razão da continuidade da escravidão”, pontua Cecília sobre a importância de retornar a essas questões. Segundo ela, alguns pesquisadores não compreendem que o trabalho escravo fazia parte de um contexto de acumulação de capital que ia além das fronteiras brasileiras. Ela explica que só ao longo do século 19 há a formação de um contingente de trabalhadores, que não tem acesso à terra nem aos meios de produção, que se vê obrigado a vender sua força de trabalho.
Sobre a coexistência de escravidão e liberalismo, a organizadora atenta para o fato de que “a política liberal é uma política teatral e os argumentos da justiça, do direito, da cidadania são usados muitas vezes para encobrir as mais violentas explorações e violações de direitos”, o que não é diferente em outros países. “Do mesmo jeito que a escravidão tem um sentido do ponto de vista da produção econômica, as ideias liberais são incorporadas, tratadas, desgastadas, modificadas e fazem todo o sentido no âmbito dessa sociedade que se constitui no século 19.”