ISSN 2359-5191

14/05/2014 - Ano: 47 - Edição Nº: 13 - Saúde - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP
Profissionais de saúde tendem a esconder uso de álcool e tabaco
Percepção do próprio uso de psicoativos altera a maneira como questionam seus pacientes sobre o assunto
Ao omitir o uso de substâncias, os profissionais se sentem mais seguros ao orientar pacientes sobre o assunto, sabendo que não serão julgados. Créditos: Clspeace/Flickr

O consumo de álcool e tabaco é um tema considerado tabu na sociedade atual. É aceito legal e socialmente, mas no momento em que se torna abusivo, por vezes é encarado como “fraqueza” de caráter e falta de autocontrole. Questionar o padrão de consumo do paciente é uma situação desconfortável para profissionais de saúde. Segundo estudo que entrevistou 39 de trabalhadores da área, aqueles que se abstêm do uso de álcool e tabaco tendem à ser mais rígidos em suas orientações aos pacientes, tomando seu próprio comportamento como ideal, enquanto aqueles que consomem álcool moderadamente apresentam uma abordagem mais empática.

De acordo com a autora da pesquisa, Emilene Reisdorfer, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, os profissionais de saúde estão inseridos na sociedade e, como qualquer pessoa, sofrem influências familiares e sociais que podem interferir na forma como percebem o uso destas substâncias. Por isso é tão importante observar a relação entre o próprio padrão de uso de álcool e tabaco e a assistência prestada a usuários dos serviços de saúde: são as suas concepções do profissional relacionadas ao tema que vem a tona em um atendimento; ele estabelece um plano de ação a partir das experiências anteriores, sejam elas positivas ou negativas.

Um marco importante no discurso dos entrevistados que se declararam consumidores regulares de álcool foi a noção de que há um limite de uso que deve ser respeitado: cada indivíduo deve se capaz de identificar o seu e jamais ultrapassá-lo. Dessa forma, ao mesmo tempo que esse profissional é capaz de entender o paciente que também faz uso do álcool, tende a exigir dele autocontrole próximo do seu. "Como consequência, tem dificuldade em aceitar que outras pessoas não consigam manter um uso sem risco", conclui a pesquisadora.

Os profissionais abstêmios também tomam por base seu próprio comportamento ao orientar o paciente. As falas dos entrevistados mais radicais revelam uma conotação pejorativa do uso e do usuário, considerando que qualquer forma de consumo deve ser combatida - e que suas consequências acabam "sobrando" para a saúde pública.

A maior parte dos profissionais disse não fazer uso de tabaco, revelando uma tendência a encarar negativamente tanto o cigarro quanto o fumante, que devem estar "cientes das consequências de seus atos". Aqueles, porém, que afirmaram fumar, revelam outro aspecto importante mostrado pela pesquisa: com a intenção de preservar sua imagem profissional, eles escondem que fazem uso do cigarro e evitam fumar aonde possam ser vistos por pacientes ou colegas de trabalho.

O mesmo se dá muitas vezes com o consumo do álcool: a maioria afirma evitar fazê-lo dentro do município de trabalho. O grande medo é de perder o respeito conquistado na comunidade e não poder mais falar sobre o assunto, por também fazer uso das substâncias. Para autora da pesquisa, a expectativa social de ser modelo de comportamento pode causar pressão para o profissional de saúde. "Percebe-se esta tendência não apenas com o uso de álcool e tabaco, mas também com outros comportamentos desejados, como a alimementação saudável (“nutricionistas não podem estar acima do peso”), prática de exercícios físicos (“educadores físicos não podem ser sedentários”) ou doenças cardiovasculares (“cardiologistas não pode infartar”)", afirma.

Um aspecto fundamental dos entrevistados foi o fato de trabalharem em unidade de Atenção Primária à Saúde. A APS foi concebida para aproximar ao máximo o serviço de saúde da população. Assim, a proximidade com a comunidade é uma característica inerente ao atendimento e torna a manutenção do vínculo entre profissional e paciente ainda mais essencial. Esse fator explica não só a grande insegurança que sentem ao assumir o uso de um das substâncias perante a comunidade como agrava a dificuldade de abordar o assunto com o paciente, já que consumo de drogas é considerado um tema íntimo.

A maioria dos profissionais relata a sensação de despreparo para o atendimento de usuários de álcool e tabaco e a falta de treinamento formal para a situação. Assim, precisam criar estratégias de abordagem para evitar afastamentos e quebras de confiança, baseadas, muitas vezes, nas próprias concepções e experiências, o que os traz de volta aos aspectos subjetivos do atendimento. Segundo Emile Reisdorfer, ao não se sentirem seguros por não possuir conhecimentos técnicos e científicos no campo, os profissionais tendem a utilizar o senso comum para definir o tipo de assistência que podem prestar. "Neste sentido, é reforçada a necessidade de se colocar como um exemplo a ser seguido pela comunidade".

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