Viagens muito longas e prazos rígidos de entrega fazem parte da rotina de muitos motoristas de caminhão. O uso de drogas como alternativa para manter-se acordado e dentro do cronograma de entregas não é incomum. Porém, o grupo de pesquisa Álcool, Drogas e Violência, da Faculdade de Medicina da USP, que acompanha há seis anos os padrões de consumo de drogas entre caminhoneiros, observou que os grupos de motoristas que testam positivo em exames de urina não chegam a um décimos dos quase 1.500 motoristas entrevistados. Os números também se mantiveram mais ou menos constantes no período de duração da pesquisa.
É claro que o uso de psicoativos por caminhoneiros é grave e prejudica a atenção e a coordenação dos motoristas. Recentemente, o grupo percebeu que a cocaína tem se tornado mais comuns nos testes, antes amplamente liderados pelas anfetaminas. Para Vilma Leyton, professora e líder do grupo, a mudança de panorama pode estar relacionada ao menor acesso às anfetaminas, que estavam presentes na composição de moderadores de apetite, proibidos pela Anvisa em 2011. A proibição levou ao aumento do mercado da cocaína, que comparada ao rebite, nome pelo qual é conhecida a anfetamina, se tornou mais acessível e mais barata.
O Comando de Saúde nas Rodovias, promovido pela Polícia Rodoviária Federal, em parceria com o Serviço Social do Transporte (Sest) e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat), é um projeto realizado desde 2006. Ele promove ações de saúde para o trabalhador da área de transporte, em quatro eventos por ano, através de blitze educativas nas estradas. Ao serem atendidos por educadores e médicos, os motoristas passam por testes para detectar fatores de risco à saúde, como pressão alta, obesidade, estresse e sonolência.
Os pesquisadores identificaram nos eventos a oportunidade de avaliar o uso de drogas por motoristas, para desenvolver uma base de dados sobre o assunto no Brasil. Em 2008, começaram a participar dos comandos realizados no estado de São Paulo e, em ocasiões especiais, estiveram presentes também em Porto Alegre, Campo Grande, Rondônia, e estradas do nordeste brasileiro. Participam entrevistando motoristas e convidando-os à coleta de urina de forma anônima.
As amostras passam por testes rápidos, que identificam seis tipos de drogas: morfina, metanfetamina, anfetamina, cocaína, benzodiazepínicos e THC, o tetrahidrocarbinol, principal componente da maconha. O foco da pesquisa são as anfetaminas, a cocaína e o THC e os resultados positivos nessa triagem passam então por aparelhos de análise especializados. No vídeo ao lado é possível observar o processo de análise e entender os efeitos os efeitos de cada droga na direção.
Além da coleta de urina, a pesquisa envolve uma entrevista com os motoristas. O estudo qualitativo revela o perfil dos caminhoneiros que testam positivo: o fator de maior destaque é a distância de viagem, maior que 500 quilômetros. A maioria é casado, contratado por empresas de transporte. A média de idade é de 41 anos e a de escolaridade, ensino fundamental.
O laboratório analisa de 100 a 150 amostras por mês. Pelo menos uma amostra de uso múltiplo de drogas aparece em cada um desses períodos. Como a amostragem das análises, varia a cada comando, é difícil para o grupo precisar a porcentagem média de caminhoneiros que testaram positivo no período da pesquisa. Uma das mestrandas do grupo, Daniele Sinagawa, afirma porém, que o número não chega a 10% dos entrevistados. O retrato delineado difere daquele divulgado pela mídia, que em acidentes com caminhões tende a associar a maioria dos motoristas ao uso de drogas. "Não pode assustar a população e convencê-la a acreditar que é perigoso pegar as estradas", afirma a professora Vilma Leyton. O grande objetivo da pesquisa liderada é exatamente desenvolver uma base de dados confiável sobre o tema que possa nortear políticas públicas, que hoje em dia são baseadas em pesquisas de pequena abrangência e no senso comum.
Eles se posicionam contra a Resolução 460 do Contram (Conselho Nacional de Trânsito), que torna obrigatório um exame toxicológico realizado por fios de cabelo e unhas, capazes de depectar substâncias usadas no período de três meses. Com custo de R$ 270 a R$ 290 reais, o exame precisa ser apresentado na renovação da CNH de motoristas profissionais ou na mudança de categoria. Segundo Vilma Leyton, esses testes não têm base científica suficiente e possuem uma abrangência temporal muito ampla para avaliar o risco de o motorista dirigir sob influência de drogas.
Ela ressalta que as próprias análises feitas pelo grupo não refletem que o motorista estava dirigindo sob efeito de psicoativos, apenas que fez uso recente, uma vez que os vestígios de substâncias na urina duram de 3 a 5 dias. A pesquisa já foi questionada sobre a possibilidade de coagiremos motoristas a tomar parte na coleta. No entanto, apenas 3% dos motoristas se recusam a participar, na maioria das vezes, segundo Vilma, por uma questão de pressa. Isso porque o grupo busca desvincular-se da figura do policial, deixando claro seu interesse não na condenação do usuário de drogas, mas na formação de uma base de dados científicos, garantindo que os resultados são sempre sigilosos e anônimos.