O transtorno obsessivo-compulsivo, comumente chamado de TOC, atinge cerca de 2% a 3% da população mundial. Esse distúrbio neuropsiquiátrico tem como característica marcante a verificação constante de situações, explica o psicólogo Marcelo Batistuzzo, e acreditava-se no início que: “Um dos sintomas de quem tem TOC é relacionado à memória, ou seja, checar se a porta está trancada, se o gás está ligado ou não, entre outras coisas”. Porém, atualmente, não há uma associação direta entre a memória com os rituais de checagem, comenta o pesquisador.
A memória episódica – construída a partir da vivência, mais especificamente relacionada à linguagem verbal –, e a sua consequente ativação de áreas específicas do cérebro, constituiu uma das pesquisas desenvolvidas pela Faculdade de Medicina da USP. O estudo, efetuado pelo Projeto Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo (Protoc), do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas, inspirou o doutorado de Batistuzzo, que relacionou padrões de ativação cerebral produzidos por crianças e adolescentes com TOC em comparação a um grupo controle de pessoas sem a doença.
Segundo o especialista, há o conhecimento de que pacientes com TOC apresentam dificuldade em tarefas que envolvam a memória epísódica verbal. Ainda mais quando essa tarefa implica na capacidade de associação de palavras relacionadas a uma mesma categoria ou agrupamento semântico. Portanto, no estudo, o foco foi de análise do que acontece no cérebro durante a memorização de palavras, a partir de exames realizados na máquina de ressonância magnética funcional. A atividade proposta para jovens de 7 a 18 anos se resumiu na apresentação de uma lista com 16 palavras pertencentes à quatro categorias semânticas, e uma outra lista, com o mesmo número de palavras mas sem relação de sentido entre elas. Depois de três apresentações de cada uma das listas, pedia-se para que os indivíduos dissessem o maior número de palavras que conseguissem lembrar.
Ao contrário do que o próprio pesquisador esperava, “Não houve diferença na quantidade de agrupamento semântico, nem em termos das palavras apresentadas de memória dentro da máquina [ressonância magnética funcional] entre os pacientes e os controles”, relata o psicólogo. Entretanto, o correlato neural se demonstrou distinto entre os dois grupos, principalmente em uma parte chamada giro superior frontal – fração do cérebro mais desenvolvida em humanos e responsável por funções executivas, tais como planejamento ou coordenação de tarefas.
A imagem mostra o área do cérebro ativada (giro frontal superior) mais nos controles do que nos pacientes
A maior ativação dessa região em pessoas sem o transtorno, em detrimento dos que o possuem, abriu hipóteses para o grupo. “A nossa interpretação foi de que essa diminuição da ativação dos pacientes, não era porque eram mais ‘eficientes’ para executar a atividade, e sim que era um déficit latente: eles não conseguiam engajar essa parte do cérebro tão bem quanto os controles”, esclarece Batistuzzo sobre a conclusão acatada pelo grupo de pesquisa. Além disso, acrescenta que a falta de ativação do giro superior frontal durante a adolescência pode despertar, no futuro, a possibilidade de os portadores sofrerem com relativa perda dessa capacidade de categorização semântica.