Celso Eduardo de Melo, em sua Dissertação de Mestrado pela Faculdade de Direito da USP, mostra que a internet, não raro, tem se prestado à disseminação de informações e postagens de cunho racista com manifesta violação aos direitos humanos em âmbito internacional e aos direitos fundamentais em âmbito nacional, o que caracteriza crime de racismo tipificado na Lei 7.716/89, especificamente em seu artigo 20.
Conforme expõe em seu trabalho, o racismo, como doutrina ou ideologia, defende uma hierarquia entre grupos humanos, havendo, segundo essa ideologia, raças superiores e raças inferiores, podendo estas serem subjugadas, agredidas, violentadas como uma ordem natural das coisas. No caso do racismo brasileiro, o negro é o grupo social mais vitimizado, pela sua herança escravocrata e pela completa desvalorização em termos estéticos, sociais, econômicos e políticos. Quando se pratica uma ação que promova a ideia de que a raça negra é inferior ou que conduza a essa ideia, de modo intencional ou voluntarioso, tipifica-se a conduta racista. Biologicamente, porém, não existem raças.
Celso Eduardo de Melo afirma, em seu trabalho, que tanto o Estado, como a sociedade civil e o direito devem enfrentar o desafio e os obstáculos à aplicabilidade do artigo 20 da Lei 7.716/89, como forma de garantir a efetividade dos direitos humanos em todo o mundo e da inclusão social em nosso país.
Em início de fevereiro deste ano, uma professora de conceituada universidade do Brasil postou, em uma rede social, a foto de um homem trajando bermuda e camiseta regata, à espera de embarque no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, com o seguinte comentário: “Aeroporto ou rodoviária?”. A postagem rendeu, por parte de participantes do seu grupo social na rede, outros textos no mínimo preconceituosos: “Esse tipo de passageiro fica roçando o braço peludo no seu porque não respeita o limite de assento”; “O bom senso ficou em casa”; “O pior é que o Mr. Rodoviária está no meu voo. Ao menos, não do meu lado. Ufa!”, arremata a professora, comparando os trajes do homem aos de um estivador.
O episódio ilustra bem o uso nem sempre adequado e benéfico da internet. “Condutas lesivas a bens jurídicos amplamente protegidos no mundo todo, como a dignidade da pessoa humana, a infância e a juventude, o patrimônio, a privacidade, a honra, dentre outros, são frequentemente violados com a utilização desse meio eletrônico”, afirma Celso Eduardo de Melo em sua Dissertação. Tais condutas lesivas acontecem quase sempre devido às peculiaridades desse meio de comunicação, com linguagem e terminologias próprias, além do anonimato e da distância entre os usuários.
Assim, torna-se necessária a regulamentação do uso da internet, o que, porém, tem suscitado debates favoráveis e contrários a essa interferência. A posição contrária usa, como argumento principal, a liberdade de expressão que, na visão de Melo, “deixa de ser um direito executável quando colide com outras figuras jurídicas, com outros direitos ou mesmo incorrendo em crimes”. Para o pesquisador, bens juridicamente protegidos pelos direitos humanos como os crimes contra o patrimônio, contra a honra, contra os costumes, os crimes de racismo, dentre outros, devem obviamente impor limitações ao uso da internet.
Enquanto novas formas de racismo, discriminação e preconceito racial multiplicam-se por meio dos recursos tecnológicos da informação, revigorando a intolerância e incitando práticas de exclusão e segregação racial, os agentes governamentais e não governamentais, empenhados em encontrar meios de combate a esse problema, ainda não chegaram a um consenso sobre o que fazer em termos de atuação sobre a internet. “O problema maior – afirma Celso Eduardo de Melo – em termos de aplicação de legislações internas refere-se à descentralização e à transnacionalidade dos sites de internet”, ou seja, os editores de conteúdo racista muitas vezes são de outros países, fora da jurisdição de determinado Estado.
Por outro lado, o ordenamento jurídico em geral não acompanha a velocidade de crescimento dos crimes cibernéticos. Em período posterior à defesa da Dissertação de Mestrado do autor (2010), novos fatos ligados ao uso indevido da internet vieram à tona. Um deles foi a divulgação de fotos de arquivos pessoais da atriz Carolina Dieckmann no início de 2012 com a consequente aprovação, em 07/11/2012, na Câmara dos Deputados, de duas propostas que inserem dispositivos no Código Penal, tipificando crimes cometidos por meio da internet: o Projeto de Lei Complementar (PLC) 35/2012, mais conhecido como Lei Carolina Dieckmann e o Projeto de Lei 2793/11. Este obriga que mensagens com conteúdo racista sejam retiradas do ar imediatamente. A atual legislação prevê pena de 2 a 5 anos de reclusão e multa, quando o crime é cometido por meio dos meios de comunicação, incluindo os digitais.