ISSN 2359-5191

10/09/2014 - Ano: 47 - Edição Nº: 56 - Sociedade - Faculdade de Direito
Condutas discriminatórias na internet são passíveis de punição
Pesquisa ressalta necessidade de se impor limitações ao uso da internet para evitar comportamentos racistas

Celso Eduardo de Melo, em sua Dissertação de Mestrado pela Faculdade de Direito da USP,  mostra que a internet, não raro, tem se prestado à disseminação de informações e postagens de cunho racista com manifesta violação aos direitos humanos em âmbito internacional e aos direitos fundamentais em âmbito nacional, o que caracteriza crime de racismo tipificado na Lei 7.716/89, especificamente em seu artigo 20.

Conforme expõe em seu trabalho, o racismo, como doutrina ou ideologia, defende uma hierarquia entre grupos humanos, havendo, segundo essa ideologia, raças superiores e raças inferiores, podendo estas serem subjugadas, agredidas, violentadas como uma ordem natural das coisas. No caso do racismo brasileiro, o negro é o grupo social mais vitimizado, pela sua herança escravocrata e pela completa desvalorização em termos estéticos, sociais, econômicos e políticos. Quando se pratica uma ação que promova a ideia de que a raça negra é inferior ou que conduza a essa ideia, de modo intencional ou voluntarioso, tipifica-se a conduta racista. Biologicamente, porém, não existem raças.

Celso Eduardo de Melo afirma, em seu trabalho, que tanto o Estado, como a sociedade civil e o direito devem enfrentar o desafio e os obstáculos à aplicabilidade do artigo 20 da Lei 7.716/89, como forma de garantir a efetividade dos direitos humanos em todo o mundo e da inclusão social em nosso país.

Em início de fevereiro deste ano, uma professora de conceituada universidade do Brasil postou, em uma rede social, a foto de um homem trajando bermuda e camiseta regata, à espera de embarque no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, com o seguinte comentário: “Aeroporto ou rodoviária?”. A postagem rendeu, por parte de participantes do seu grupo social na rede, outros textos no mínimo preconceituosos: “Esse tipo de passageiro fica roçando o braço peludo no seu porque não respeita o limite de assento”; “O bom senso ficou em casa”; “O pior é que o Mr. Rodoviária está no meu voo. Ao menos, não do meu lado. Ufa!”, arremata a professora, comparando os trajes do homem aos de um estivador. 

Comentário preconceituoso de professora em sua rede social

O episódio ilustra bem o uso nem sempre adequado e benéfico da internet. “Condutas lesivas a bens jurídicos amplamente protegidos no mundo todo, como a dignidade da pessoa humana, a infância e a juventude, o patrimônio, a privacidade, a honra, dentre outros, são frequentemente violados com a utilização desse meio eletrônico”, afirma Celso Eduardo de Melo em sua Dissertação. Tais condutas lesivas acontecem quase sempre devido às peculiaridades desse meio de comunicação, com linguagem e terminologias próprias, além do anonimato e da distância entre os usuários.

Assim, torna-se necessária a regulamentação do uso da internet, o que, porém, tem suscitado debates favoráveis e contrários a essa interferência. A posição contrária usa, como argumento principal, a liberdade de expressão que, na visão de Melo, “deixa de ser um direito executável quando colide com outras figuras jurídicas, com outros direitos ou mesmo incorrendo em crimes”. Para o pesquisador, bens juridicamente protegidos pelos direitos humanos como os crimes contra o patrimônio, contra a honra, contra os costumes, os crimes de racismo, dentre outros, devem obviamente impor limitações ao uso da internet.

Enquanto novas formas de racismo, discriminação e preconceito racial multiplicam-se por meio dos recursos tecnológicos da informação, revigorando a intolerância e incitando práticas de exclusão e segregação racial, os agentes governamentais e não governamentais, empenhados em encontrar meios de combate a esse problema, ainda não chegaram a um consenso sobre o que fazer em termos de atuação sobre a internet. “O problema maior – afirma Celso Eduardo de Melo – em termos de aplicação de legislações internas refere-se à descentralização e à transnacionalidade dos sites de internet”, ou seja, os editores de conteúdo racista muitas vezes são de outros países, fora da jurisdição de determinado Estado.

Por outro lado, o ordenamento jurídico em geral não acompanha a velocidade de crescimento dos crimes cibernéticos. Em período posterior à defesa da Dissertação de Mestrado do autor (2010), novos fatos ligados ao uso indevido da internet vieram à tona. Um deles foi a divulgação de fotos de arquivos pessoais da atriz Carolina Dieckmann no início de 2012 com a consequente aprovação, em 07/11/2012, na Câmara dos Deputados, de duas propostas que inserem dispositivos no Código Penal, tipificando crimes cometidos por meio da internet: o Projeto de Lei Complementar (PLC) 35/2012, mais conhecido como Lei Carolina Dieckmann e o Projeto de Lei 2793/11. Este obriga que mensagens com conteúdo racista sejam retiradas do ar imediatamente. A atual legislação prevê pena de 2 a 5 anos de reclusão e multa, quando o crime é cometido por meio dos meios de comunicação, incluindo os digitais.

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