Elize Matsunaga, Lindemberg, goleiro Bruno, os Nardoni, Suzane von Richthofen. Estes nomes, familiares a praticamente qualquer brasileiro nos dias de hoje, estão relacionados a crimes que ainda causam, não raras vezes, sentimentos de indignação e revolta. O que essas pessoas possuem em comum e que as faz serem lembradas pelos brasileiros é o fato de estarem envolvidas em casos que ganharam notoriedade e repercutiram de forma intensa na mídia, causando comoção na sociedade.
Quando notícias de crimes, como os mencionados, são veiculadas concomitantemente às investigações policiais, é impossível negar a “onda” de comentários e especulações que acabam inevitavelmente surgindo. Isso se evidencia não apenas em conversas informais pelas ruas, mas, também, de forma bastante marcada, nos discursos presentes na mídia. E justamente esses discursos são tema da tese de doutorado recém-defendida por Margibel Adriana de Oliveira, Notícias de crimes: uma análise retórico-argumentativa do discurso jornalístico online por antecipação ao discurso jurídico, junto ao programa de Pós-graduação em Filologia e Língua Portuguesa, da FFLCH-USP.
Para a pesquisadora, a imprensa investiga e apura fatos. No âmbito de notícias relacionadas a crimes, o problema se dá quando certos jornais, ao construírem sua investigação e comporem seu discurso, se precipitam e expõem pessoas, sentenciando-as em caráter definitivo, muito antes da conclusão das investigações policiais. Como formadora de opinião, a imprensa levanta e apresenta provas e investiga suspeitos. Porém, por vezes também os transforma em réus, ao enunciar em uma manchete que eles cometeram efetivamente determinado crime, por exemplo. Nesse caso, desloca o sujeito da esfera de suspeito e o “eleva” ao status de criminoso.
Margibel estudou dois casos emblemáticos: as mortes de Eloá Cristina e Isabella Nardoni, noticiadas pelos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo, na Internet. A pesquisadora observou que esses veículos apresentaram, muitas vezes, “sequências discursivas” recheadas de um discurso velado, ou até mesmo pré-julgamentos implícitos. Em sua análise, Margibel percebe que as superposições ou os imbricamentos do discurso jornalístico antecipado ao discurso jurídico produzem certos efeitos de sentido em que os enunciadores, ao interpretarem um ato jurídico ilícito, instigam o público para que, em muitos casos, a justiça seja proclamada, colaborando, decisivamente, para a formação da opinião pública.
Eloá Cristina, sequestrada e mantida em cárcere privado em 2008.
No jornalismo online há mais um elemento a se considerar. As informações são atualizadas em tempo real. Em virtude da rapidez com que fluem os discursos, Margibel pontua que a imprensa se precipita e não hesita em pré-julgar, mesmo sem se embasar no posicionamento de uma autoridade do discurso jurídico, por exemplo. Isso pode gerar uma comoção generalizada na população, uma vez que, dependendo da maneira como as informações são transmitidas, o público é levado a crer em determinado veredicto.
Se, por um lado, a grande repercussão desses crimes parece pressionar e impulsionar as investigações, por outro pode engendrar problemas para o próprio desenrolar dos inquéritos. Para a pesquisadora, com esse tipo de texto jornalístico, “precipita-se na sociedade um sentimento de justiça no sentido de senso comum”. Em casos relacionados a uma ação penal pública, por exemplo, em que o julgamento é composto pelo tribunal do júri, isso pode influenciar juízos. Por isso, a pesquisadora questiona se, afinal, o discurso jornalístico pode apresentar tal percepção para a sociedade.
Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni, condenados pela morte de Isabella Nardoni, em 2008.
Margibel Oliveira se pergunta se é possível uma exposição discursiva de informação técnica no caso das notícias de crimes que causam grande repercussão na imprensa. Ela cita, em sua tese, o pesquisador Delmanto Júnior, que em seu artigo “O fim do protesto por novo júri e o julgamento pela mídia”, escreve: “Trata-se do julgamento pela mídia, transformando-se os processos criminais em verdadeiros reality shows, novelas da vida real com capítulos diários, havendo forte contaminação da opinião pública de um País inteiro. O julgamento acaba sendo realizado pela sociedade, fora do plenário do Júri”. Isso seria um tipo de jornalismo “sentencioso”, que promoveria um adiantamento das fases do processo ao antecipar e denunciar fatos, mesmo que estejam sob segredo de justiça, por exemplo. Assim, a pesquisadora questiona se ao utilizar diversas técnicas de convencimento, a mídia não estaria preocupada muito mais com a retórica para o convencimento do que com a “verdade” dos fatos. É algo a se pensar quando se trata da exposição de crimes tão sérios, que requerem investigação profunda e pormenorizada e, ao mesmo tempo, geram comoção e clamor público tão grandes, como os estudados por Margibel.