ISSN 2359-5191

10/04/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 18 - Arte e Cultura - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Seriado quebra silêncio sobre diferenças entre negros e brancos
"Everybody hates Chris": série desconstrói protótipo de família afro-americana idealizada, expondo exclusão social a que se sujeita o negro
Protagonista busca pertencer a uma comunidade, mas sempre acaba frustrado. Imagem: Divulgação

Uma família tradicional, composta por um casal heterossexual e seus filhos, que vivem no subúrbio e têm dilemas típicos da classe média. Essa descrição contempla boa parte dos seriados de comédia norte-americanos, incluindo as chamadas Black sitcoms, que apresentam famílias afrodescendentes, como, por exemplo, The Cosby Show e My Wife and Kids (Eu, a Patroa e as Crianças). Mas, ainda dentro da ficção televisiva, seria possível um outro retrato da realidade enfrentada pelos negros afro-americanos? A dissertação de mestrado de Daniele Crema, defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, mostra que sim.

A pesquisa indica que a série Everybody hates Chris (Todo mundo odeia o Chris), criada pelo comediante Chris Rock, desconstrói uma visão politicamente correta da relação entre negros e brancos na sociedade americana, a qual está presente na maioria das Black sitcoms,  que raramente discutem abertamente a exclusão social do negro. "Vi que a narrativa desses seriados se pautava sobre o silenciamento da diferença entre negros e brancos, já que ambos eram equiparados como se vivessem sob as mesmas condições. Havia, portanto, uma propensão a se caracterizar o negro à semelhança do branco", explica Crema. Dessa forma, a série de Chris Rock se diferencia das outras com protagonistas negros, pois nela não são incorporados os atributos da família branca idealizada e, por isso, há espaço para a problematização do racismo.

De acordo com o trabalho, a Black sitcom Everybody hates Chris, apesar de também ser focada em um núcleo familiar tradicional, satiriza a condição do negro de modo debochado, evidenciando que é muito diferente da vivida pelo branco. A pesquisadora Daniele Crema indica que, na série, "Chris Rock se reporta aos anos 80, quando era adolescente e sofria com o racismo. Isso lhe permite questionar e problematizar os estereótipos de afro-americanidade nos Estados Unidos, fato que torna o seriado em questão diferente dos demais. Nele, são expostas, e não suprimidas, a temática da segregação racial e a disseminação do imaginário do negro como violento, criminoso, malandro, entre outras caracterizações pejorativas."

Imaginário de afro-americanidade

A dissertação de Crema investigou como se produzem e legitimam percepções de negritude no programa televisivo em questão, sobretudo a partir da análise do protagonista da série. Segundo a pesquisadora, Chris está sempre em busca de pertencimento a uma comunidade, porém se frustra ao fim de cada episódio, já que nunca consegue, efetivamente, atingir seus objetivos. Consequentemente, Everybody hates Chris não mostra o afro-americano como bem-sucedido, mas como deslocado, ávido por um lugar na sociedade que lhe parece cada vez mais distante. "Essa, creio eu, é a principal questão trabalhada na série, pois nos instiga a questionar nossos lugares na sociedade atual", afirma a mestra.

Além da imagem do negro deslocado, outros sentidos de afro-americanidade estão presentes na série, de acordo com a pesquisa. Daniele Crema indica que "o seriado faz menção ao negro criminoso, ao negro traficante, preguiçoso e, ao mesmo tempo, desconstrói esses estereótipos ao mostrar o negro trabalhador, maternal, amoroso."   

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