Uma pesquisa da USP gerou hipótese de que a proteína Amilóide Sérica A está ligada ao desenvolvimento de um dos mais agressivos cânceres de pele, o melanoma. O trabalho percebeu que os melanomas produzem tal proteína, enquanto as células que originam o tumor, não.
O melanoma é um tumor muito agressivo, responsável pela maioria das mortes ligadas ao câncer de pele. Ele é resultante de uma mutação da célula responsável pela cor do nosso corpo, o melanócito, produtor de melanina.
Relacionada aos processos inflamatórios, a proteína que também é chamada de SAA (Serum Amyloid A, em inglês) é produzida principalmente no fígado. No entanto, células do sistema imune, sanguíneas e tumorais também podem produzí-la. A pesquisadora Luziane Potrich Bellé, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, percebeu que os melanomas produzem SAA, enquanto a célula originária do tumor, o saudável melanócito, não produz.
Essa discrepância intrigou Luziane, que pretende investigar se, de fato, a amilóide sérica A está relacionada ao desenvolvimento do tumor: “Parece que ela está envolvida com esse processo de malignidade do tumor. É uma hipótese nossa”, disse. A ideia surgiu em meio a outras pesquisas de seu grupo, que observaram a SAA induzindo proliferação de outros tipos celulares.
Amilóide sérica A também combate o melanoma, mas apenas antes do tratamento
Apesar de produzir essa hipótese, a pesquisa provou que a SAA combate o melanoma quando ele já está desenvolvido, inibindo o crescimento tumoral diretamente e também ativando o sistema imunológico. "Eu vi que essa proteína inibiu processos de proliferação, de imigração e invasão, que são processos associados ao crescimento tumoral e desenvolvimento de metástase. Isso in vitro [ou seja, os testes foram feitos em laboratório, não em pacientes]. Além desses efeitos diretos, onde ela inibe esse crescimento tumoral in vitro, ela também é capaz de ativar o sistema imune para combater o tumor”, conta Luziane.
Essa aparente boa notícia, no entanto, não é tão efetiva para quem possui o câncer. Já existe um tratamento para melanomas: um medicamento chamado vemurafenib (de nome comercial Zelboraf®) consegue impedir a proliferação dos melanomas de forma completa ou quase completa. Entretanto, cinco a sete meses após o início do tratamento, as células do melanoma se tornam resistentes ao medicamento e voltam a se proliferar, fazendo o câncer retornar ainda mais forte. A esperança era de que a amilóide sérica A pudesse ajudar no combate após o uso do vemurafenib. Porém, nesses melanomas resistentes, Luziane provou que a SAA perde todas suas características de combate, nem mesmo conseguindo ativar o sistema imune.
O medicamento vemurafenib, de nome comercial Zelboraf®/ Foto: (www.roche.pt)
A ciência por trás do vemurafenib
Para que as células proliferem – ou seja, para que uma pessoa cresça ou se renove – elas precisam de um estímulo. Isso faz com que várias proteínas atuem, em cascata, dando um comando para o núcleo da célula, fazendo-a proliferar. Isso é chamado via de sinalização. Normalmente, existem comandos que fazem essa via ligar e desligar. Afinal, se ficasse ligada o tempo todo, ninguém pararia de crescer.
Em um melanoma, existe uma proteína da cascata, chamada B-Raf, que sofreu mutação. Ela faz com que a via de sinalização nunca desligue, causando uma proliferação descontrolada das células. Em outras palavras, um tumor.
O medicamento vemurafenib, também conhecido como PLX4032, atua nessa proteína B-Raf, desligando a via de sinalização e contendo o crescimento do tumor. Uma de suas grandes vantagens é atacar o melanoma sem destruir as células saudáveis que estão ao redor, coisa rara em tratamentos de câncer. Geralmente, são usadas drogas nocivas a todas as células, chamadas citotóxicas, que atingem todo o microambiente.