Pesquisas realizadas pelo Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), apontam resultados promissores no uso de compostos da maconha para o tratamento de distúrbios crônicos como Parkinson e Epilepsia. Os resultados foram apresentados na palestra “Psicofarmacologia da Marconha” realizada na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP – USP) no dia 30 de março. O evento contou com a participação de cerca de 150 pessoas e foi ministrado por Rafael Guimarães dos Santos, pós-doutorando e integrante da equipe de pesquisas do Departamento.
Os estudos desenvolvidos pelo Departamento com compostos derivados da Cannabis sativa, nome científico da maconha, foram pioneiros na área e tiveram início no fim da década de 1970 e início de 1980. Dos mais de 400 compostos descobertos nas folhas da Cannabis sativa, cerca de 100 são canabinóides, substâncias que agem em receptores psicomotores do sistema nervoso. Os mais conhecidos são o THC, responsável, entre outros, pelos efeitos alucinógenos da maconha; e o CBD, composto essencialmente benéfico para o organismo humano, que apresenta efeitos colaterais mínimos. Tais compostos representam parcela significativa das pesquisas do Departamento que, geralmente, contrapõe os efeitos do CBD em relação ao THC.
Os principais resultados encontrados nestas e em pesquisas anteriores, apontam a atuação do CBD como ansiolítico, na redução de dependência química e no tratamento complementar de pacientes com câncer (na redução de efeitos adversos da quimioterapia, como náuseas). As aplicações mais promissoras concentram-se no tratamento de distúrbios crônicos como Parkinson e Epilepsia, sendo que, nesta última, o Cannabidiol é capaz de reduzir, quase que em sua totalidade, a incidência de crises convulsivas.
Assim como as demais substâncias derivadas da maconha, o uso indiscriminado do CBD é proibido no Brasil. Apenas em dezembro de 2014, em decisão do Conselho Federal de Medicina, seu uso passou a ser autorizado no tratamento de pacientes menores de 18 anos que sofrem de epilepsia refratária, ou seja, que não apresentam melhora no quadro clínico com outras medicações. Mais recentemente, em janeiro deste ano, o CBD passou a ser considerado uma substância de uso controlado pela ANVISA, deixando a lista de medicamentos de uso proscrito que são liberados mediante autorização prévia do órgão. Segundo Rafael, ministrador da palestra, os tabus envolvidos com o consumo da maconha, contribuem para fortalecer os mecanismos burocráticos: “A proibição, de maneira direta ou indireta, acaba afetando a pesquisa, porque você cria dificuldades para ter acesso a uma série de substâncias que podem ter uso benéfico”. É neste contexto que se dá a importância da decisão da Agência, que além de reduzir a burocracia no que diz respeito à pesquisa, representa mudança na qualidade de vida de milhares de pacientes que sofrem de epilepsia grave.
É o caso de Anny, mencionada durante a palestra. Hoje com 6 anos, a menina é portadora de uma síndrome rara, que, dentre outros sintomas, apresenta a ocorrência frequente de crises epilépticas. A decisão dos pais de Anny de importar ilegalmente o medicamento foi destaque na mídia há cerca de um ano, quando um dos lotes de CBD traficados foi barrado na alfândega e a família passou a lutar judicialmente pelo direito de adquirir o composto de maneira legal. Após o início da utilização do Cannabidiol, Anny, que chegava a ter até 80 convulsões por semana, passou a ficar quase um mês sem apresentar os episódios, uma redução de mais de 90%. A cobertura gerou certa comoção nacional e motivou outros pais a buscarem as vias legais para utilizar o CBD como tratamento complementar ou principal da epilepsia grave, pressionando os órgãos responsáveis a facilitarem os trâmites necessários para a obtenção do composto.
Apesar do progresso em caráter médico, a questão em torno da legalização da maconha ainda gera controvérsias e segue sem grandes avanços no país. “Legalizar seria melhor para a sociedade. Porque, eu acho que hoje em dia a gente criminaliza grupos que já são minoritários e isso só tende a piorar. Independente do efeito da droga, pra sociedade não está funcionando, a gente está criminalizando muitos menores socialmente desfavorecidos” – avalia Rafael.