A Estratégia Saúde da Família é um método implementado pelo Ministério da Saúde para oferecer serviços que abranjam questões para além da doença, como a prevenção e prevenção da saúde. Apesar do ideal progressista da iniciativa, o pesquisador Thiago Sarti aponta que o sistema está atrelado a uma visão antiquada que resulta em uma aplicação autoritária no cotidiano das pessoas com doenças crônicas.
O projeto consiste em disponibilizar uma equipe multiprofissional que é responsável por uma determinada quantidade de pessoas em uma região específica, em média 3 mil pessoas. Isso possibilita um atendimento integrado a longo prazo para os pacientes daquele local. Para Sarti, o modelo trouxe avanços inegáveis para o atendimento de saúde das populações, principalmente as mais carentes, porém ainda está atrelado a preceitos higienistas aplicados em séculos passados. Esse tipo de atendimento consiste em um tratamento com base científica aliado à tentativa de fazer com que todos os pacientes se encaixem nesse ideal, sem considerar suas particularidades.
A partir do acompanhamento de duas equipes atuantes na periferia em contato com pessoas que são diabéticas, a pesquisa de doutorado “A (Bio) política da Saúde da Família: adoecimento crônico, micropolítica do trabalho e o governo da vida" faz uma crítica contundente à aplicação prática da Estratégia de Saúde da Família. “Equipes constroem um projeto para as pessoas de forma vertical, hierárquica, até mesmo autoritária, porque exige uma mudança radical nas suas vidas, sem levar em conta o contexto no qual esses pacientes estão inseridos”, afirma Sarti.
O pesquisador aponta que os usuários desses serviços são pessoas fragilizadas e em situação de vulnerabilidade social. Essa situação faz com que tenham grande dificuldade de manejar sua condição de saúde no cotidiano: “Os pacientes pegam as orientações e fazem uma adaptação a sua vida, fazem sua própria conduta. Isso incomoda muito à equipe”, explica o pesquisador.
Os profissionais da estratégia de saúde da família acabam taxando de rebeldes esses pacientes que não fazem adesão radical aos pilares do tratamento: alimentação, atividade física e medicamentos. Os usuários são classificados como pessoas com baixo interesse pela própria saúde, que não sabem cuidar de si devido ao baixo nível educacional. Segundo Sarti, a equipe não leva em consideração a extensão das mudanças que o diagnóstico de diabetes impõem para o paciente: “Não estamos falando de dengue, que você trata e dez dias depois tá bem. Diabetes é uma série de mudanças na sua rotina diária, na forma como você se enxerga, e em como a sociedade te enxerga. O profissional precisa estar ao lado do usuário, construindo com ele, dando suporte a ele”.
Além disso, existe uma postura preconceituosa do profissional ao olhar para o paciente: “É preciso orientar em linhas gerais algumas coisas, mas quando se olha pra uma população mais pobre, há uma tendência de classificá-la como ignorante, que tem hábitos inadequados de vida, os quais podem ser mudados com base no saber superior da equipe”, explica Sarti. Para o pesquisador, a necessidade atual é repensar como esse modelo de saúde da família vem sendo aplicado e aprimorá-lo, avançando na sua estruturação.