ISSN 2359-5191

24/08/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 81 - Sociedade - Escola de Comunicações e Artes
Estudo aponta que mídias portáteis provocaram mudança na forma como se ouve música
Pode-se ouvir qualquer música em qualquer lugar a qualquer hora; comprar CDs e DVDs passa a ser atitude de fãs e colecionadores
(Escuta musical por meio de mídias portáteis acompanha tendência de isolamento crescente observada com o avanço das tecnologias de modo geral Fonte: aRedemulher)

Em 2014, Otávio Luis Silva Santos estudou a progressão da forma como se escuta música (desde quando só se podia ouví-la indo a concertos até os dias de hoje) em sua dissertação de mestrado pela USP. Seu trabalho versa sobre questões como os aspectos, as proporções, as causas e as consequências do efeito das mídias portáteis sobre a forma como se ouve música na atualidade.

A tecnologia está cada vez mais presente na vida das pessoas. Já faz algum tempo que não é mais privilégio ou exclusividade da elite, mas quase uma “condição de existência” em uma sociedade. Hoje em dia, é estranho e, para alguns, inconcebível que alguém não tenha “Facebook” ou “WhatsApp”.

“O sinal Wi-Fi talvez seja o maior objeto de desejo da atualidade, especialmente nas metrópoles. Aliamos nossa existência física a uma existência virtual, ou seja, existe o 'eu' tocável e o 'eu' virtual, e chegamos a um ponto em que o existir pleno parece se instituir na junção desses dois ambientes”, diz Otávio.

Nunca o progresso na área foi tão grande e, menos ainda, tão rápido. O novo passa a ser obsoleto em questão de alguns anos, ou até meses. O inimaginável se torna, em pouco tempo, palpável. O intransponível, elementar.

Otávio conta sobre os impactos dessa transformação tão ágil para sua pesquisa: “Inicialmente, fiz um levantamento de uma série de aparatos tecnológicos. Entretanto, em pouco tempo de estudo precisei rever essa escolha, visto que vários dos aparelhos previamente escolhidos já haviam sido substituídos”, diz.

Comenta ainda: “Não deixa de ser curiosa essa rotatividade que não me permitia sequer fechar uma tabela e mantê-la em definitivo no trabalho por pelo menos seis meses. Não tenho dúvida que, por mais recente que tenha sido minha pesquisa, já deve haver ali elementos e dados ultrapassados.”

Um fluxo tão intenso de mudanças tem consequências no contexto em que atua. A chegada do diferente faz necessária uma adaptação, que pode nem ser percebida, mas que invariavelmente acontece e que é de proporções substanciais.

Um bom exemplo são as mídias portáteis. Os smartphones garantem o acesso à internet, descaracterizando a televisão e o rádio como detentores exclusivos da informação. O GPS tornou absolutamente arcaicos os mapas, e os MP3 Players aposentaram os CDs (que, à sua época, substituíram, na informática, os disquetes e, na música, os LPs).

É interessante notar, no entanto, que antiguidades como os LPs não só se tornam obsoletos, mas, em certos grupos, passam a ser objetos de desejo, por serem considerados vintage. Sobre o assunto, Otávio comenta: “A moda constantemente apresenta semelhantes fenômenos, tornando novamente tendência modelos tidos como ultrapassados, por vezes repaginados conforme os gostos da sociedade contemporânea.”

Uma das características fundamentais da escuta mediada pelos aparelhos portáteis é a interatividade. Também é notável a democratização da música, ao menos no que tange aos dispositivos. Nem todo mundo pode ir a uma ópera ou a um show, seja por falta de tempo ou de dinheiro. No entanto, como já se sabe, quase todo mundo tem um celular no qual se pode colocar faixas de áudio.

Daí advêm outros três aspectos da escuta moderna: a autonomia, a personalização e a transitoriedade. Pode-se ter qualquer música ao alcance das mãos, a qualquer momento. “Playlists” podem ser criadas. A faixa pode ser interrompida ou repetida, de acordo com a vontade de cada um.

A suma das alterações na forma como se ouve música que se devem, em maior ou menor medida, à chegada das mídias móveis, é que a escuta não é mais necessariamente exclusiva (ou seja, por vezes, outras atividades são realizadas concomitantemente a ela), e que ela não é feita sempre para apreciação estrutural da arte musical em si (ao contrário, pode servir apenas como forma de entretenimento).

Assim, Otávio afirma: “Podemos declarar que já entramos na era pós-CD, em que, a cada dia mais, sua vendagem e circulação diminuem, cedendo lugar a aparelhos menores e com maior capacidade de armazenamento. Esses aparelhos oferecem uma tecnologia bastante superior em termos de multifuncionalidade, se tornando mais sedutores e apropriados para o ritmo de vida desses primeiros anos do século 21.”

E conclui: “Cada tecnologia tem seu período de consagração, seguido pelo inevitável declínio. Assim foi com o Walkman, e mais recentemente com o CD, e certamente também será com o mp3.”

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