ISSN 2359-5191

03/11/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 104 - Saúde - Faculdade de Saúde Pública
Presença de medicamentos na água potável pode oferecer riscos à saúde
Exposição de longo prazo a algumas substâncias pode causar efeitos carcinogênicos
Crédito: Marcos Santos/USP Imagens

A água considerada potável, de acordo com padrões pré-estabelecidos, pode não estar em condições adequadas para o consumo. Um estudo realizado na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP aponta que a exposição contínua a baixas concentrações de fármacos existentes em água pode representar riscos para a saúde humana e ao meio ambiente. Inclusive algumas dessas substâncias possuem potencial carcinogênico (podem causar câncer) e de desregulação endócrina.

Em sua tese, orientada pela professora Adelaide Nardocci da FSP, o pesquisador Carlos Eduardo Matos dos Santos sugere o uso de modelos computacionais (in silico) para definir quais fármacos possuem maior risco (prioritários) em relação à contaminação da água. A metodologia alternativa proposta pelo farmacêutico busca avaliar a toxicidade e comportamento dessas substâncias no ambiente, além de também monitorá-las.

Segundo ele, devido à inexistência de registros de consumo dos medicamentos no Brasil, é difícil mensurar precisamente quais fármacos são liberados em maiores quantidades no ambiente. Além disso, a insuficiência de políticas públicas, relacionadas ao ciclo de vida e descarte, também prejudica esse controle. Matos afirma que há um gerenciamento pontual dos resíduos nos serviços hospitalares, mas as liberações ocorrem de forma muito mais ampla. Um paciente pode descartar um fármaco em um lixo comum ou mesmo, ao ingeri-lo, eliminá-lo pelas fezes ou urina na rede de esgoto. Entretanto, muitas vezes, os sistemas de tratamento não conseguem remover algumas substâncias. Dessa forma, elas podem permanecer na água por longo tempo e consequentemente atingir as residências.

“Começamos a nos preocupar com fármacos no ambiente depois de utilizá-los por décadas” declara Matos. Para ele, no Brasil, a preocupação com a eficiência terapêutica dos medicamentos se sobressai em relação aos riscos ambientais. No entanto, a sua tese buscou reunir informações e políticas internacionais para nortear o gerenciamento dos riscos dessas substâncias. Foi criado, assim, um índice que define os fármacos que oferecem maior potencial de risco à população, com base em suas características físico-químicas e de toxicidade.

A tese do pesquisador é intitulada como: "Priorização de fármacos em água destinada ao consumo humano baseada em avaliação da toxicidade e do comportamento ambiental por meio de modelos computacionais (in silico) para fins de gestão ambiental".

Fármacos prioritários

O risco toxicológico de um medicamento pode ser avaliado a partir da sua toxicidade e dos níveis de exposição que as pessoas estão submetidas. Algumas propriedades fisico-químicas contribuem expressivamente com esse problema. Um deles é a meia-vida elevada, ela permite a longa permanência química dos fármacos no meio ambiente. Outra característica é o seu potencial de bioacumulação, isto é, a capacidade da substância de se concentrar nos organismos vivos. De acordo com o pesquisador, os hormônios contraceptivos têm um alto potencial de bioacumulação. Há também a mobilidade que permite o alcance do agente à água potável, após sua liberação no esgoto.

A toxicidade dos medicamentos, como mutagenicidade e carcinogenicidade, também é importante na análise. O metronidazol, indicado normalmente para infecções no intestino, é classificado como possivelmente carcinogênico para humanos. Segundo Matos, já existem estudos tentando encontrar formas de degradação desse fármaco no tratamento do esgoto.


Crédito: Divulgação 

Modelos Computacionais

Em 2013, o pesquisador lançou o livro “Toxicologia In Silico”. O intuito foi conceituar os principais tipos de modelos computacionais, que auxiliam a prever a toxicidade de determinados fármacos e também expor como eles podem ser aplicados para finalidades regulatórias. Essas ferramentas identificam a presença de fragmentos tóxicos ou persistentes na estrutura de algumas substâncias. Nesse caso, essa característica a torna menos “atraente” para os microrganismos responsáveis pela degradação no ambiente.

A princípio, a tese iria analisar o comportamento ambiental e o potencial de toxicidade dos fármacos a partir de dados de mercado. Como eles não estavam disponíveis, o farmacêutico optou pelos medicamentos: contidos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) do Brasil, isentos de prescrição ou de uso crônico (de longa duração), controlados pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que pudessem ser analisados por modelos computacionais (substâncias químicas).

De acordo com Matos, umas das vantagens na utilização de ferramentas computacionais é que os resultados obtidos em testes prévios são integrados e disponíveis para consulta. Assim, os pesquisadores podem encontrar nos bancos mundiais, por meio das estruturas químicas, dados de toxicidade e comportamento ambiental de ensaios já realizados. Em seu estudo, ele buscou compilar esses dados e criou um índice de fármacos com maior potencial de risco. Isso reduz os custos nas pesquisas, pois, ao final, os experimentos de comportamento ambiental e toxicidade podem chegar a custar R$ 1 milhão de reais por amostra.

Os modelos computacionais auxiliam a diminuir e evitar o uso desnecessário de animais em testes. Para verificar a incidência de tumores, devido à exposição a fármacos, por exemplo, não é necessário utilizar novamente uma cobaia, porque é possível consultar esses dados e se caso não estiverem disponíveis pode-se também obtê-los. Alguns modelos indicam certas características das substâncias como: a meia-vida, fator de biocumulação, degradabilidade, taxa de remoção do esgoto e potencial mutagênico ou carcinogênico.

Crédito: NOVARTIS/FLICKR

Prescrição verde

A preocupação ambiental com os fármacos pode começar dentro dos consultórios médicos. Já existem trabalhos internacionais referindo-se à importância dos profissionais de saúde prescreverem medicamentos que tragam menos impactos, ressalta Matos. No entanto, isso pode gerar um conflito ético de escolha entre o paciente e o meio ambiente. Para o pesquisador, precisamos encontrar um ponto de convergência para esse impasse.

Além disso, não é preciso retirar os medicamentos do mercado. O essencial é se ter informações prévias e políticas para gerir e mitigar os riscos causados pelos fármacos, caso eles apareçam na água. “A gente precisa que os profissionais de saúde, tal qual o profissional farmacêutico (como profissional legalmente habilitado para a dispensação de medicamentos) também trabalhem com que nós chamamos de educação ambiental” conclui o pesquisador.


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