Adoniran Barbosa e sua obra já foram tema de peças, musicais, filmes, livros, quadrinhos e inúmeros estudos. Contudo, suas canções nunca tinham sido analisadas pelo ponto de vista da semiótica da canção, que busca níveis de construção de sentido combinando conteúdo e forma, até a publicação da tese de doutorado do pesquisador Carlos Vinicius Veneziani dos Santos pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo.
Veneziani estudou 12 canções de Adoniran com base na semiótica greimasiana, do pensador lituano Algirdas Julien Greimas, que estudou a construção do sentido de um texto por três níveis, fundamental, narrativo e discursivo. A partir disso, o pesquisador trabalhou com a abordagem de análise semiótica da canção criada pelo professor do departamento de linguística da FFLCH Luiz Tatit, que foi seu orientador para o trabalho.
Por essa abordagem, explora-se a canção em três módulos principais (que nunca dominam exclusivamente uma canção): a figuratização, a tematização e a passionalização. O primeiro módulo se aproxima da fala natural, explorando o dizer. Já o segundo, se configura em canções com letras afirmativas, repetitivas e normalmente associadas a temas de comemoração ou exaltação. Veneziani exemplifica com a música "O que que a baiana tem" de Dorival Caymmi. E, por fim, a passionalização investe nas variações de grave e agudo com músicas que costumam girar em torno de temáticas de disjunção entre o objeto desejado e o sujeito, como "Travessia", de Milton Nascimento.
FIGURATIZAÇÃO
A tese de Veneziani mostra que o "artesanato do cancionista", o modo de compor canções de Adoniran Barbosa tende principalmente para a figuratização. Assim, o sentido de suas canções se dá por meio de processos de valorização do falar, como uso de variações linguísticas, a presença da fala natural (o cantor quase diz quando canta), e de elementos de sua realidade e de seus principais temas – que giram em torno da cidade de São Paulo.
Além disso, a semiótica da canção parte do princípio que texto e melodia formam uma unidade. Veneziani explica que quando, na canção "Tiro ao Álvaro", Adoniran canta: "de tanto levar, 'frechada' do teu olhar, meu peito até, parece sabe o que?", ele entoa a inflexão própria da pergunta, subindo o tom no "o que", imitando o falar na canção. Dessa maneira, a forma com que ele entoa sua letra e a própria melodia constroem um sentido. Para mostrar isso, o pesquisador usou os diagramas melódicos, uma invenção de seu orientador, em vez de partituras.
"O Adoniran, como outros compositores de música popular que não estudaram teoria musical, ouvia como as pessoas falavam e se aproximava de temas sobre a percepção da cidade de São Paulo pela fala das pessoas. Ajudou muito o fato dele ter sido ator de rádio", conta Veneziani.
Apesar da tendência para a figuratização, o pesquisador diz que nenhuma canção apresenta um módulo exclusivamente. "Um exemplo é 'Saudosa Maloca' que apresenta um refrão (um resquício temático) e momentos de passionalização, mas cujos elementos predominantes tendem para a figuratização".
Foram 33 canções analisadas individualmente, mas a amostragem final foi definida com 12 músicas representativas das três fases principais da carreira do compositor (antes do sucesso de "Saudosa Maloca", entre esta e "Trem das Onze" e após esta última) e "respeitando a interpretação do próprio Adoniran usando músicas que estão presentes em seus três discos de carreira", conta Veneziani, que buscou estudar cada canção individualmente e depois reunir os elementos predominantes, confirmando sua hipótese inicial.
Para o autor, a importância de seu trabalho está em tentar suprir a falta de material acadêmico sobre o assunto. "Encontrei artigos e teses sobre uma ou outra canção ou mesmo que usava a semiótica, mas não como principal elemento de análise", diz.