Um processo peculiar está ocorrendo na represa Billings, em São Paulo. A eutrofização de parte do reservatório apresentou a presença maior de plânctons ricos em ômega 3. Como os organismos são a base alimentar das cadeias do reservatório, todos os outros peixes estão agora mais ricos em ômega 3.
Os ácidos graxos são importantes não somente para os peixes, mas para muitos animais, como o próprio ser humano. Sua função primária é o fornecimento de energia. Mas atuam também na composição da membrana das células de todos os organismos. Além disso, eles funcionam como precursores de alguns hormônios, que controlam nosso sistema imune. O ácido graxo DHA, por exemplo, está presente em nossa alimentação e é essencial para o desenvolvimento do sistema nervoso. Para os peixes, os ácidos graxos também são importantes no processo de reprodução. Eles compõem o vitelo do ovo, que estão contidos no ovário das fêmeas. E isso vai servir de alimentos para as larvas, para que elas possam se desenvolver.
A eutrofização, porém, não é algo positivo para os peixes, e muito menos para o reservatório. O processo ocorre em reservatórios e rios que recebem grande quantidade de nutrientes em seus leitos. Com abundância de nitrogênio e fósforo eliminados em dejetos industriais e esgotos, por exemplo, as algas e plânctons têm maior disponibilidade de alimentos, e por isso acabam se reproduzindo mais. Com maior abundância de algas e plânctons, os peixes também se alimentam mais, e consequentemente se reproduzem mais.
Esse ciclo biogeoquímico é altamente prejudicial para os rios e reservatórios, pois, uma vez que há aumento populacional tanto de algas quanto de peixes, há também o aumento de gases liberados por esses seres. E o excesso desses gases impede a vida normal e equilibrada de seus seres, levando-os à morte. E assim também ocorre a “morte” desse rio.
A pesquisadora Aline Dal’Olio Gomes estudou durante 4 anos o processo de eutrofização e sua influência no acúmulo de ácidos graxos em peixes em dois reservatórios diferentes: o braço Taquacetuba (na represa Billings), que é considerado hipereutrófico; e a represa de Ponte Nova, considerado o reservatório referência. Para comprovar a transferência dos ácidos graxos na cadeia alimentar do reservatório, Aline analisou duas espécies muito conhecidas: a traíra e o lambari. O lambari é um peixe onívoro, que se alimenta basicamente de fitoplanctons. Já a traíra está no topo da cadeia alimentar.
Com a análise foi possível identificar que na área poluída da represa ambos as espécies eram ricas em ácidos graxos ômega 3, e que não eram prejudicadas pelo excesso da substância. No braço da represa limpo, a concentração de ácido graxo nos peixes era equilibrada, havendo um balanço normal entre os ácidos ômega 3 e ômega 6. Embora não houvesse prejuízo claro para os peixes na área poluída, Aline afirmou que a quantidade de ômega 3 se sobressaía em comparação ao ômega 6 nos animais. “Apesar dos ácidos graxos ômega 3 serem muito importante, eles não podem se sobressair tanto. Seu excesso pode fazer com que o sistema imune seja deprimido. ” Esse prejuízo, porém, ainda não foi encontrado nos peixes da represa. “Ainda não sabemos se é o caso dos animais de lá, porque eles vivem há muito tempo nessas condições, e estão muito bem. Tanto o lambari quanto a traíra são peixes muito resistentes a poluição”, explica. Ainda de acordo com a bióloga, as espécies conseguem desenvolver algumas características que permitam com que eles se mantenham naquele ambiente.
Mas essa abundância em ácidos graxos não é uma boa notícia para aqueles que se alimentam dos peixes da represa. Isso porque junto com os nutrientes expelidos pelas indústrias e esgotos das cidades, também são despejados metais pesados e cancerígenos, como cádmio e mercúrio. Absorvidos pelos peixes, os consumidores ingerem não somente ácido graxo, mas metais de produtos industriais, colocando em risco a própria saúde.