Anita Malfatti, Tarsila do Amaral. Quando se pensa em pintoras brasileiras reconhecidas na história da arte, a lista não é grande e muitas mulheres sequer são conhecidas e estudadas. Um exemplo é a artista Georgina de Albuquerque (1885-1962), uma das principais mulheres brasileiras a conseguir firmar-se como artista no começo do século XX, mas atualmente pouco estudada e com poucas obras em instituições e museus.
Com o objetivo de analisar a questão da representação do trabalho na produção de Georgina de Albuquerque, a partir da obra No Cafezal, Manuela Nogueira faz seu mestrado no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, sob supervisão da professora Ana Paula Simioni e com bolsa da Fapesp. Quando retrata o trabalho em seus quadros, as mulheres são protagonistas na ação. “No caso da Georgina, ela faz questão de pintar as mulheres trabalhando”, explica Manuela. “Ela queria se inserir nessa questão, e estar dentro desse meio pintando essa temática era interessante naquele momento.”
As pinturas acerca de questão sociais não surgem apenas no modernismo, diferente do pensamento geral. Artistas vinculados ao sistema acadêmico, como Georgina, já pintavam essa temática desde os anos iniciais do século 20, e os modernistas só trouxeram um novo significado a essas questões. “Georgina estava sim em diálogo com os modernistas, no entanto com uma preocupação social não só artística, mas também política”, explica Manuela.
As obras escolhidas para o estudo têm recorte cronológico do final da década de 20 até meados da década de 40. Nelas, a temática do trabalho está majoritariamente representada no campo. Isso está presente tanto na tela O Cafezal, mas também em telas como Mercado, Paiol de Milho e em Roceiras. O contexto da industrialização tem grande importância nessa escolha. A pesquisadora explica: “Por conta da industrialização e do crescimento de grandes cidades, o campo fica como uma memória e ela quer registrar isso por meio da pintura”.
Uma das dificuldades de se pesquisar esse tema é que há poucas telas da Georgina Albuquerque em museus e instituições de arte. No acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo há nove obras da artista, entre elas No Cafezal, mas muitas telas fazem partes de coleções particulares. “Algumas telas estudadas eu só achei em registros, revistas e periódicos, não achei as obras”, afirma Manuela. Além disso, a tela No Cafezal está datada na Pinacoteca como sendo de 1930, mas durante sua pesquisa, Manuela visitou arquivos e confrontando dados descobriu que a obra era anterior a isso, de 1926.
Mulheres na pintura
Georgina de Albuquerque produziu muito em vida. A artista teve grande prestígio na época, foi a primeira mulher a ser diretora da Escola Nacional de Belas Artes, considerada o maior órgão consagrador da arte brasileira, e a única mulher artista a produzir uma tela de história, Sessão do Conselho de Estado, em 1922. Além disso, entre 1906 e 1911 estudou na França, na Académie Julian, uma das primeiras academias de arte a receber mulheres.
A pesquisadora explica que um dos motivos para as obras de Georgina e de outras artistas acadêmicas não serem tão reconhecidas é consequência da crítica e da historiografia da arte brasileira. “A crítica tem o papel de valorizar mais os modernos, considerados vanguardistas e transgressores, em detrimento da produção que veio antes e dos artistas da academia”.
Além disso, atualmente não há muitos estudos sobre essas artistas a partir do recorte de gênero e para Manuela, considerar a dimensão do gênero é essencial ao se analisar trajetórias e produções de mulheres artistas no Brasil. “Pensar nessa inserção da mulher no espaço público dentro dessas instituições ainda hoje não é tão bem visto dentro da academia”, conclui.