Ainda que de forma não declarada, o sexo exerce papel central na vida das pessoas. Elas são o tempo todo instigadas a falar sobre ele, porém de maneira velada e sutil. Prova disso é a quantidade de pautas relacionadas ao assunto em programas de televisão, revistas e jornais - "como apimentar o relacionamento", "como encontrar um parceiro" e "como ter prazer com o próprio corpo", são exemplos de abordagens dadas ao tema. No entanto, esse incentivo às práticas sexuais ocorre de maneira muito específica, sempre primando pela tendência hegemônica do relacionamento entre um homem e uma mulher e com finalidade reprodutiva. Essas são conclusões do psicólogo Luís Fernando de Oliveira Saraiva, que pesquisa questões relacionadas a sexualidade, gênero e família em seu doutorado no Instituto de Psicologia (IP) da USP.
Suas indagações sobre a temática começaram ainda no mestrado, quando estudou, a partir de análises cinematográficas, a higienização de experiências homoeróticas. Em suas investigações ele percebeu que uma série de padrões heteronormativos tendem a se disseminar e produzir nas pessoas o desejo de adequação social. Uma mostra disso, segundo ele, é o quanto se manifestou no público LGBT o desejo de casar e constituir família, algo que antigamente era menos notado. "Historicamente, o modelo de relação entre homens não heterossexuais é de curta duração, transitório e com um número muito maior de parceiros. Contudo, isso muda ao longo do tempo com uma propensão maior ao casamento", explica o pesquisador. Essas mudanças o impulsionam a pensar o porquê das pessoas quererem casar e a família ser um fator tão preponderante e essencial.
Para Saraiva, a família coloca-se como temática constante pois ela é o objeto central do estado. Algo que pode ser notado pela quantidade de políticas públicas que a visam. "Há uma perspectiva de investir na família para que ela produza sujeitos mais adequados para o mundo. Adequação essa que passa pela heterossexualidade. Por isso, o sexo se mostra uma discussão primordial" afirma. Ele aponta que para dar base à discussão é necessário falar das questões de gênero e do que entende-se por família, uma vez que o "Estatuto da Família", no qual está posto um recorte específico, tornou-se assunto recorrente.
O pesquisador lembra que durante os séculos 18 e 19, houve forte investimento em políticas de estado voltadas para a família. Elas caracterizavam-se, normalmente, pela produção de manuais, que acompanhavam revistas ou jornais e ensinavam a arte de se educar as crianças. "Materiais altamente psicologizados e com intuito de normatizar as pessoas", destaca. Saraiva credita essas tentativas de uniformização ao medo e receio do que é diferente e múltiplo, como a transexualidade e os comportamentos não heterossexuais, por exemplo. Também cita o fato de existirem modelos comportamentais tão enraizados, que em poucas situações o sujeito irá se auto-confrontar e refletir sobre seu gênero e opções. "As figuras identitárias que conhecemos hoje são muito fixas e estão socialmente naturalizadas", completa.
Por conta dos modelos hegemônicos estarem tão fincados, Saraiva ressalta a importância de discutir sobre os comportamentos que fogem à regra dada como padrão. Ele diz acreditar que as próprias siglas e nominações LGBTs podem reforçar um caráter identitário e criar unidade onde não há. "Falar sobre homens gays é algo muito genérico, visto vez que as experiências homoeróticas são infinitas e nós não damos conta de apreender isso" pontua. Para o psicólogo, tentar enquadrar numa mesma perspectiva homens que são casados com mulheres, mas mantém relações eventuais com outros, e homens que se relacionam de maneira exclusivamente homossexual é um erro, pois ignora a multiplicidade existente. Da mesma maneira, ele questiona a normatização que cerca os transexuais e é produzida a partir de critérios heterossexuais.
“Acredito que os transexuais vivem um momento de padronização. Há ainda uma impossibilidade de se transitar entre dois gêneros, sustentar no corpo a ambivalência e não precisar nomeá-la", diz o pesquisador. Nesse ponto, o trânsito de habitar dois lugares teria enorme força, dado seu potencial de romper estereótipos e inserir novas possibilidades. Encarar a heterossexualidade como um padrão, sendo que na própria natureza ela não é, torna-se um erro, afirma. "Por que precisamos nos definir por nosso corpo e opções sexuais? O ser humano tem potencial para muito mais do que isso", conclui.