ISSN 2359-5191

01/02/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 5 - Sociedade - Escola de Comunicações e Artes
Artigo aborda crise hídrica e o papel da informação
Foto: Reprodução

A crise hídrica que atingiu a região metropolitana de São Paulo em 2014 foi tema de um artigo publicado na revista Estudos Avançados. O professor Pedro Luiz Côrtes, do Departamento de Informação e Cultura da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), analisou dados de fontes primárias e secundárias para demonstrar como as informações ambientais podem ser usadas de forma estratégica na gestão do abastecimento urbano.

Em seu projeto de pesquisa, Côrtes estuda a disponibilidade de informações socioambientais para a população. “Tem vários locais onde você tem informações ambientais importantes que servem tanto para a comunidade científica quanto para o público geral, só que as pessoas não sabem disso”, conta. “Se a pessoa não tem determinadas informações, ela às vezes nem sabe da ocorrência de determinados problemas e não tem como cobrar do poder público”.

O objetivo do artigo foi entender melhor o que levou à crise e mostrar quais foram os erros de gestão cometidos. “Não no sentido de apontar culpados, mas para evitar que esses erros sejam repetidos no futuro, e que eles sirvam de referência para outras regiões”, explica Côrtes. Para isso, foram utilizados dados de relatórios da Sabesp, informações do IAG-USP sobre o regime de chuvas e informações da Administração Atmosférica americana (Noaa) sobre o fenômeno Enso, mais conhecido como El Niño.

O resultado da compilação desses dados descartou a ideia de que a crise foi algo inesperado, fora do normal. “À medida que a gente vai se debruçando mais sobre os dados, fica caracterizado que é um desastre anunciado”, conta o pesquisador. “E mesmo quando a gente sair da crise hídrica, corre-se o risco de que esse desastre volte a acontecer caso algumas medidas importantes não sejam tomadas”. Ele lembra que em 2004 já houve uma crise de abastecimento em São Paulo que, apesar de ter menor intensidade, fez com que alguns bairros da região metropolitana entrassem em regime de racionamento.

O pesquisador afirma que, para evitar que isso continue acontecendo, é necessário passar para a população informações reais sobre a disponibilidade de água na região metropolitana. Se, considerando a situação pré-crise, as informações ambientais apresentadas no artigo fossem levadas em consideração, havia a possibilidade de reduzir o consumo individual sem que isso representasse redução de qualidade de vida.

Fiscalização

Outro ponto apontado pelo pesquisador é em relação ao papel da Sabesp. Apesar de parte de seu capital ser privatizado, a maior parte das ações da empresa pertence ao governo paulista. Assim, ao mesmo tempo que o governo opera o sistema de captação, tratamento e distribuição de água, é ele quem fiscaliza a Sabesp por meio do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), uma autarquia ligada à Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos.

“De um lado o governo opera o sistema, e de outro ele mesmo fiscaliza”, explica Côrtes. “Não tem um órgão independente que possa sinalizar quais são os melhores caminhos a serem tomados, ou discutir de maneira isenta quais as estratégias tomadas em relação ao abastecimento da região metropolitana”. Ele explica, ainda, que a Agência Nacional de Águas poderia ter um papel mais ativo no sentido de informar melhor a população, mas que o antagonismo político entre o governo federal, a qual ela pertence, e o governo do estado acaba dificultando o diálogo.

Perspectivas

O governo do Estado de São Paulo apresentou, no dia 19 de novembro, um plano de contingência contra a crise hídrica. O plano, que prevê a implantação de rodízios em situações de emergência, estava previsto para sair em junho – mas o atraso é ainda maior se considerado o início da crise. “Esse plano chega muito tarde. Ele foi apresentado agora quando na verdade a crise já se anunciava em maio de 2013”, afirma Côrtes. “A gente está nessa crise há dois anos, e isso não é uma situação normal”.

O professor explica que existe hoje a perspectiva de sair do volume morto ao longo do próximo verão, mas que, caso isso ocorra, não deve ser entendido como o final da crise. “É um primeiro passo para uma volta à normalidade das represas que compõem o Sistema Cantareira, mas isso pode ainda demorar um bom tempo”.

Por fim, o pesquisador ressalta a necessidade do governo incluir, no sistema de gestão dos recursos hídricos, as previsões climáticas e considerá-las com maior rigor, já que existem hoje condições de fazer um prognóstico sobre o comportamento do clima com alto nível de acerto para seis meses ou mesmo um ano. “Vejo uma certa relutância do governo em fazer isso. É como se o clima fosse uma coisa imprevisível mas, na verdade, em alguns setores tem muitos grupos de investidores ganhando dinheiro exatamente porque consideram as previsões climáticas”, afirma Côrtes. “O setor privado já vem fazendo isso de longa data, então por que o governo não pode fazer?”.

O artigo “Crise de abastecimento de água em São Paulo e falta de planejamento estratégico” pode ser acessado no Portal de Revistas da USP.

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