A pedofilia é um dos assuntos mais tabus da sociedade e, por isso, há muita desinformação sobre o tema, o que acaba banalizando-o. Pessoas que cometem abuso sexual contra crianças e adolescentes, por exemplo, não necessariamente são pedófilos. O transtorno pedofílico é caracterizado pelo interesse sexual em crianças e nem sempre envolve o abuso, que é um crime previsto por lei. Como existe muito preconceito com relação ao tema, há uma série de problemas jurídicos que chegam aos tribunais e, no final, não oferecem as soluções criminais mais adequadas.
De acordo com a lei, por exemplo, pessoas que sofrem com o transtorno pedofílico e que tenham sido condenadas judicialmente por abuso sexual de crianças e adolescentes devem passar por um tratamento em ambulatorial ou em um hospital de custódia. Essa obrigatoriedade, entretanto, é prejudicial. Para Jéssica Paschoal, autora da dissertação de mestrado Pedofilia: aspectos clínicos, éticos e forenses, o tratamento obrigatório não tem a mesma eficácia do que o voluntário porque depende do indivíduo querer mudar o comportamento.
Ao final da pesquisa, Paschoal desenhou um rascunho de projeto de lei que previa alteração na legislação em relação a esse tema, devido à incompatibilidade das normas vigentes com o atual estado de arte da clínica, isto é, o que as pessoas que pesquisam e trabalham com o fenômeno constataram que funciona como tratamento. “Não há uma compreensão adequada para pensar em estratégias do direito penal”, aponta.
A partir do ponto de vista de quem tem interesse sexual em crianças e adolescentes, perspectiva pouco pesquisada, seu intuito foi verificar como a resposta penal poderia ser mais adequada no caso dos pedófilos judicialmente condenados. Para isso, a pesquisadora fez uma revisão bibliográfica e uma pesquisa com 20 psicólogos e psiquiatras que tinham experiência com o transtorno pedofílico, o que permitiu que ela identificasse quatro pressupostos de medidas terapêuticas desejáveis no caso de condenações jurídicas, considerando também os aspectos éticos.
O primeiro seria incluir a possibilidade de tratamento, solução não prevista pela legislação atualmente, o que implica acabar com a obrigatoriedade imposta pelas condenações. Caso o indivíduo condenado não queira se tratar, ele deverá seguir o que a lei determina, no caso, a pena privativa de liberdade. “O tratamento é sempre compreendido de forma obrigatória, não de forma voluntária, mas a pesquisa mostrou que esse tratamento não é eficaz quando ele é feito dessa forma”, explica.
O segundo diz respeito à forma de abordar, do ponto de vista terapêutico, o paciente. De acordo com Paschoal, é um pressuposto extremamente incompatível com a realidade legislativa, que prevê apenas restrição de liberdade, seja na prisão ou num hospital. O transtorno pedofílico não pode ser tratado de forma generalizada porque é um fenômeno muito complexo que envolve outros fatores, como, por exemplo, a depressão. A doença é uma realidade muito comum para os pedófilos, mas um profissional especializado nela não necessariamente será capaz de tratar alguém que possua os dois transtornos. É necessária uma abordagem especializada e, na medida do possível, interdisciplinar. “Quanto mais profissionais da saúde mental puderem contribuir, melhor, mais assistível esse indivíduo vai estar do ponto de vista dessas várias demandas que surgem”, aponta.
O ponto mais defendido pelos entrevistados foi o terceiro pressuposto: a participação efetiva da família. De acordo com eles, o envolvimento dos familiares é um dos fatores que mais aumentavam a eficácia do tratamento, pois os pedófilos são pessoas que, muitas vezes, tem dificuldades para se relacionar com adultos e, por isso, ficam sozinhos. Além disso, a família assume um importante mecanismo de controle, perguntando se o indivíduo está bem quando na presença de crianças, evitando que ele fique sozinho com elas, fiscalizando seu uso da internet e verificando os medicamentos prescritos, além de todo o apoio fornecido.
O último é a participação em psicoterapias em grupo, as quais permitem que os pacientes, juntos, se reconheçam uns nos outros e recebam os tratamentos com mais credibilidade do que se fossem unicamente ditados por um médico. Existem poucos centros especializados no transtorno pedofílico, o que faz com que o tratamento em clínicas seja individual, já que é difícil que um profissional trate de dois ou mais pedófilos e que eles tenham compatibilidade de horários. Segundo a pesquisadora, o centro consegue juntar mais pessoas e viabilizar uma psicoterapia em grupo, reunindo profissionais especializados de diversas áreas para ajudar no tratamento e nas orientações à família.
Embora seu objetivo final não fosse um projeto de lei, a evidência encontrada pela pesquisa mostrou que a legislação atual com relação à pedofilia não possuía consonância com o que a literatura apontava como desejável, nem com a prática de profissionais da saúde especializados no transtorno pedofílico. Sua intenção, portanto, foi repensar o sistema jurídico e como ele poderia ser modificado para abarcar os pressupostos definidos pela pesquisa.