Em um contexto de previsão de mudanças climáticas significativas e do aumento na intensidade e na frequência de eventos extremos de chuva, a adaptação das cidades às novas condições ambientais se torna urgente. Pensando nisso, o professor Paulo Pellegrino coordena, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, pesquisas relacionadas a novas técnicas de drenagem e controle pluvial aliadas ao paisagismo, que funcionam como opção complementar, para amenizar a crescente sobrecarga dos métodos convencionais.
Fora do Brasil, essa discussão acontece desde a década de 70, e as chamadas Melhores Práticas de Manejo de água da chuva já estão em aplicação. No país, no entanto, Pellegrino diz que já existe “muita coisa incipiente, mas nada ainda sistematizado.”
De acordo com o professor, um dos pontos centrais das novas técnicas é a vegetação. “Você precisa que a água passe pelos substratos para garantir uma boa filtragem”. A questão do volume de água da chuva e a velocidade com que ela passa pela cidade precisam ser repensadas no ambiente urbano. “Na natureza, não só a água fica mais limpa, como sai de forma mais constante. O problema é que na cidade, a velocidade de concentração das águas que passam superfícies urbanas é alta, o que causa a inundação.”
O que antes era atribuído ao campo de estudo da engenharia, começou a ser alvo de atenção de arquitetos, conta o professor. "Os paisagistas viram nisso um potencial imenso. Jardins, canteiros, praças e espaços abertos da cidade são justamente os lugares onde devem ser instalados esses dispositivos. A questão de tratamento e controle de água da chuva tem que ser integrada aos projetos de arquitetura paisagística.”
Junto com o pesquisador Newton Becker, o professor reservou a área de uma avenida dentro da USP para fazer um jardim de chuva, um dos dispositivos desenvolvidos para auxiliar o escoamento e a filtragem da água. A estrutura – que é essencialmente um jardim construído em uma depressão topográfica – garante a redução da velocidade da passagem da água, para que ela tenha contato com o bioma do solo, tratado com compostos, e seja mais bem filtrada.
A técnica, portanto, apresenta dois benefícios: a retenção do volume de água e a saída de um fluxo mais limpo. Nos canteiros construídos na Universidade, o êxito do tratamento da água pluvial pelo jardim de chuva chega a 90%, porque a estrutura garante que o material poluente trazido com o escoamento seja removido por microorganismos e bactérias presentes na depressão.
Outra técnica que faz parte dos novos métodos para manejar a água da chuva é a Biovaleta. É o mecanismo ideal para áreas urbanas mais consolidadas, porque auxilia a condução da água em áreas impermeáveis da cidade. “Você cria uma camada de areia e substrato para as plantas e isso vira uma espécie de esponja verde”, explica Pellegrino.
Os chamados tetos verdes, mais conhecidos pela população, também ajudam num primeiro tratamento da chuva e ajudam a diminuir a velocidade com que a água chega ao chão, o que minimiza a possibilidade de enchentes.
Todas essas técnicas podem ser englobadas no que se conhece por “infraestrutura verde”. Aplicada à questão da água, a infraestrutura verde representa uma rede difusa de dispositivos em espaços abertos, que tratam a água desde quando ela começa a escorrer, para que chegue aos córregos numa condição melhor.
Em áreas de urbanização consolidada, esses dispositivos dispersos pelo espaço não teriam a capacidade de deter todo o volume de água na cidade, por isso servem como um método complementar aos reservatórios já existentes. As tecnologias de retenção e filtração convencionais exigem manutenção constante e não foram pensadas para suportar o volume pluvial previsto para os próximos anos. Os custos para mantê-las funcionando ficam cada vez maiores, considerando a necessidade de ampliação do sistema como forma de adaptação ao cenário atual. Para Pellegrino, as Melhores Práticas de Manejo garantem uma funcionalidade maior da infraestrutura convencional e podem, inclusive, aumentar seu “tempo útil”.
“Os dispositivos podem ter altos custos no começo, mas que compensam ao longo prazo. Além disso, essas novas estruturas apresentam benefícios para paisagem, para a biodiversidade e para as pessoas. São várias coisas que entram nessa conta", diz o professor.
Um cuidado que deve ser tomado na instalação de jardins de chuva e dispositivos semelhantes é o tempo que a estrutura leva para realizar a drenagem das águas. Isto é, a chuva precisa ser filtrada em um período menor do que o desenvolvimento de uma larva de mosquito, por exemplo. Em relação a esse tipo de problema, o professor garante que, se bem planejado, o dispositivo não oferece riscos. Além disso, o jardim pressupõe a criação de um “ecossistema de biocontrole”, de modo que a técnica não se trata apenas de um depósito de água parada, mas de um sistema em constante atividade e manutenção.
"Precisamos entender que não é mais possível viver jogando fora água”, conclui Pellegrino. “A criação de uma consciência de como ela pode ser limpa, de seu trajeto pelas casas e do processo pelo qual passa até chegar aos córregos reeduca as pessoas e dá a possibilidade de um dia chegarmos a projetos mais amplos, como um tratamento de rios, recuperação de nascentes, entre outras coisas.”