Após refletir sobre a ausência, nas escolas brasileiras, de uma filosofia da educação autenticamente humanista e de uma antropologia filosófica sobre a qual o projeto pedagógico esteja baseado, a pesquisadora Eloisa Miguez desenvolveu sua tese “Educação em Viktor Frankl: entre o vazio existencial e o sentido da vida”. Com o objetivo de contribuir para a discussão e a prática educativa, a pesquisadora trabalha as ideias propostas pela Análise Existencial de Viktor Frankl, segundo as quais o processo educativo ocorre junto à formação pessoal do indivíduo.
Viktor Frankl (1905-1992) foi um neurologista e psiquiatra austríaco que defendeu ideias sobre o significado expressivo e não apenas instrumental das neuroses, consideradas “heterodoxas” e que o levaram ao rompimento com a chamada psiquiatria clássica. Frankl passou por quatro campos de concentração, entre eles Auschwitz, e usou sua experiência para criar uma psicoterapia que possibilitava às pessoas reconfigurar a própria vida quando parecia muito fácil desistir. Desenvolveu um conceito antropológico fundamental: a “vontade de sentido” como a motivação mais primária e irredutível da existência.
“A busca por um sentido na vida e a necessidade incondicional de encontrá-lo vem orientar não apenas uma nova abordagem psicoterápica, mas também uma visão de homem que oferece novas referências para as ciências humanas, entre elas a educação”, conta Eloisa. “Somente nessa perspectiva há autoeducação, isto é, à medida que o homem decide sobre algo, está decidindo sobre ele mesmo, configurando a própria existência. Essa busca de sentido pessoal, como também a construção de significados partilhados no campo educativo estaria no centro do processo pedagógico”, explica a pesquisadora.
Segundo o que é defendido na tese, o processo educativo-formativo acontece no espaço existencial entre o ser e o dever-ser. Frankl o entende como um processo de autoconfiguração da pessoa. “A formação pessoal, finalidade da educação, pressupõe reconhecer a vocação mais íntima de cada pessoa e sua dimensão de liberdade e autodeterminação. Para que isso seja possível, é necessário criar espaços de fomento do sentido”, defende a pesquisa.
Eloisa coloca que, no âmbito das relações educativas, lidamos com um conjunto de “polaridades” que não se excluem, mas se complementam: processo de diferenciação ("sê o que tu és") e processo de complementaridade, algo como "sê o que tu és com os outros", no encontro e na comunicação existencial; a ideia de Bildung, como a assimilação da cultura e da técnica, e a ideia de Gestaltung, como o desenvolvimento da personalidade, mediante o qual a pessoa vai fazendo-se cada vez mais independente e distinta das demais; e conservação e transformação como duas vertentes também complementares da educação.
Valorizar o passado e a autoridade do professor como representante de um mundo no qual deve introduzir os novos é muito importante. Porém, é preciso dar espaço para que os novos possam renovar o mundo. Por isso, é papel crucial da atividade educativa "afinar a consciência" para a percepção de sentidos únicos de cada indivíduo; por outro lado, há que considerar a responsabilidade numa dimensão mais ampla: “O papel político da educação é manter a tensão entre um projeto para cada pessoa em sua vocação singular e para o conjunto dos homens, pensando na humanidade como totalidade”.
Assista a entrevista de Viktor Frankl e conheça um pouco mais sobre o seu pensamento: