Interessada em questões relacionadas à espacialidade dos livros-objeto produzidos por artistas e na sua capacidade de integrar áreas como artes, design e arquitetura, a pesquisadora Marina Lima, graduanda em arquitetura pela FAU, desenvolveu uma pesquisa que investiga a produção de livros-objeto com foco no universo infantil.
“Vi que no livro-objeto residia uma potência de trabalhar numa escala que contemplasse o corpo. E essa experiência física é possível na escala de um livro-objeto para crianças”, explica Marina. O interesse pela formação do repertório visual das crianças também influenciou a pesquisadora na escolha pelos livros infantis: “A minha maior referência, o artista Bruno Munari, explora o universo infantil através do tato, da textura, das cores. Isso serviu como base para que eu pensasse em algo que se relaciona com a essência da criança, dos primeiros momentos da vida, de uma alfabetização visual”, completa.
Na dissertação, ela propõe uma análise sobre a espacialidade dos livros-objeto acompanhada de experimentos com crianças e o que conceituou como "livros arquitetônicos", que têm escala e estrutura diferentes do livro tradicional.
Marina debruçou-se sobre os livros de três importantes artistas e designers do século 20 — Katsumi Komagata, Kveta Pacovska e Enzo Mari. Todos os artistas estudados se relacionam com o movimento moderno e com o conceito de "síntese das artes", fruto do movimento da Bauhaus no início do século 20, que borra as fronteiras das disciplinas a partir das vanguardas artísticas. O diálogo entre arte, arquitetura e design e sua aplicação ao universo infantil são marca expressiva e comum a todos os trabalhos analisados na pesquisa.
“Os livros com que trabalhei podem ser traduzidos em diferentes escalas e formam grandes espaços de experiência e interação para crianças”, diz Marina. Na pesquisa, ela ressalta a possibilidade de um livro-objeto ser o primeiro contato de uma criança com uma exposição de arte: “Podemos entender esses livros como pequenos museus que as crianças visitam e por onde têm seu primeiro contato com um universo visual poético. No entanto, diferentemente das obras de um museu, esses livros podem ser manuseados, alterados e transportados.”
A partir de um processo de tradução das obras analisadas para novas escalas, Marina propõe quatro experimentações gráficas com foco no universo espacial proporcionado por cada livro. Com base na estrutura da obra “Game Fable”, de Enzo Mari, e no conto “Animais dos Espelhos”, de Jorge Luis Borges, ela criou o livro-objeto “Os Animais dos Espelhos”.
O trabalho foi submetido ao contato com crianças, registrado em um ensaio fotográfico. Para Marina, a interação foi um dos momentos mais importantes da pesquisa. “Uma das meninas disse que se sentia dentro de um aquário. São imagens bem simples, e não é como nos livros em que a história está toda entregue. Isso faz com que a imaginação das crianças corra mais solta e elas possam completar a narrativa através da experiência espacial.”
Para a pesquisadora, os livros-objetos têm uma grande potência de ampliação do repertório e percepção visual das crianças, que pode ser desenvolvido por meio do diálogo entre design, a arte e arquitetura. “A construção de narrativas abertas e livres nesses trabalhos dá autonomia à imaginação da criança e propõe um espaço de experiência e interação por meio do corpo em conjunto com o olhar.”
Em um contexto de ascensão de estímulos digitais, que se estende ao universo infantil, e diante da perda de espaço do livro físico, os livros-objeto aparecem como um instrumento de extrema relevância no aprendizado, justamente por oferecerem experiências que só são possíveis através do contato físico e da percepção corporal.