Considerado o setor mais resistente à crise econômica, os serviços passaram a enfrentar encolhimento nos salários. O resultado, divulgado em fevereiro, mostrou que o setor foi atingido no fim de 2015 e não há garantias de melhora a curto prazo. As informações são do projeto Salariômetro, feito pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) em apoio à Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP.
Segundo um dos responsáveis pela pesquisa, Raí Chicoli, o fenômeno está relacionado à atual recessão econômica, iniciada em meados de 2014. Dados do IBGE indicam que, no último ano, o volume de serviços prestados em todo o país tenha se reduzido em até 5%. As famílias diminuíram seu poder de compra devido ao alto desemprego e à inflação elevada, o que prejudicou a receita do setor. A opção para as empresas, então, foi reduzir custos; entre eles, o salário dos trabalhadores.
Até então, todos os outros setores da economia já haviam sido impactados pelas reduções salariais. A indústria foi a mais afetada, depois de uma queda de 11,2% na produção entre outubro de 2014 e outubro de 2015, segundo o IBGE.
O resultado é o pior da série histórica, iniciada em 2007. Ainda não é possível estabelecer uma data para que os salários voltem a subir, mas o pesquisador garante que a situação não tende a se estabilizar antes do ano que vem. “Hoje o país passa tanto por uma crise econômica quanto política. Uma depende da outra para se resolver”, explica Chicoli. “Portanto, a recuperação depende desses fatores totalmente incertos”.
Para chegar ao resultado, a Fipe analisou 374 negociações com início de vigência em janeiro. Todos os dados e informações foram obtidos a partir dos acordos coletivos e das convenções coletivas depositados na página Mediador do Ministério do Trabalho e Emprego.
Queda na produção e no bolso
Segundo Chicoli, cerca de 23 categorias tiveram ao menos um caso de redução salarial entre 2015 e 2016 devido o encolhimento no volume de atividades. Em dezembro, itens como recreação, cursos, alojamento, lavanderia, tinturaria e cuidados com higiene e beleza foram 7% menos procurados do que no mesmo período do ano anterior.
As categorias de informação e comunicação mantiveram seus números 0,4% menores em comparação a dezembro de 2014. As atividades turísticas, por sua vez, tiveram um encolhimento anual de 2,1%. Já os segmentos de tecnologia da informação e transporte aéreo foram exceções, com aumento de 4,5% e 4,3% no ano, respectivamente.
A queda do volume de serviços do transporte terrestre foi de 10,4% no ano passado, comparada à 2014. Auxiliares de transportes, armazenagem e correio encolheram 4% no mesmo período. Nem mesmo o aumento na produção e exportação do agronegócio foi capaz de reverter o quadro. Parte desse desaquecimento no último trimestre de 2015 deveu-se às baixas expectativas com as festas de fim de ano, que amorteceram encomendas e movimentação de cargas.
Foi a primeira vez em 25 anos, desde o governo Fernando Collor, que o setor de serviços recuou. Mesmo em períodos turbulentos da economia, o setor costuma crescer: assim foi no apagão do setor elétrico em 2001, na crise pré-eleição do presidente Lula em 2003 e na crise global de 2008. A queda representa um sinal de alerta para a equipe econômica do governo e suscita a importância de se reverter o cenário de crise atual.
Redução salarial x jornada de trabalho
Por lei, os salários só podem ser reduzidos mediante uma diminuição da jornada de trabalho. Em dezembro, a presidente Dilma Rousseff sancionou o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), que permite a redução da jornada e do salário do trabalhador em até 30%. A medida é provisória e tem como objetivo desestimular demissões para conter a crise econômica.
Para Chicoli, as empresas optam pela diminuição da jornada de trabalho à demissão por questão estratégica. “Quando a empresa contrata um funcionário, ele tem que ser treinado, o que demora um tempo até dar retorno”, explica. “Ao não demiti-lo, quando a economia estiver voltando, ela já tem aquele trabalhador ‘pronto’”. Para participar do plano, a empresa deve comprovar sua situação de dificuldade econômico-financeira temporária.
De acordo com o texto aprovado pelo Legislativo, a redução deve ser proporcional ao salário pago pelo empregador. No caso da redução da jornada de trabalho de 30%, a perda é parcialmente compensada pelo governo com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), no valor de até R$ 900,84 mensais. A medida só pode ser tomada mediante acordo ou convenção coletiva, assinado pelo sindicato da categoria e registrado no Ministério do Trabalho, para evitar arbitrariedades ou ações sem justa-causa.