De origens multifatoriais, a obesidade foi o principal tema explorado pela pesquisa da nutricionista da Faculdade de Saúde Pública da USP, Daniela Canella. Debruçada sobre os impactos do problema, a pesquisadora demonstrou uma relação inédita entre o excesso de peso e o consumo de alimentos ultraprocessados.
A conclusão, defendida na tese de doutorado de maio de 2014, foi apurada a partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares, um banco de dados de representatividade nacional, coletado periodicamente pelo IBGE. Além do peso e da altura de todas as pessoas avaliadas, foram levados em conta critérios de renda, escolaridade, sexo, idade e, sobretudo, dados sobre consumo de alimentos e despesas médicas.
Descobertas
No total, a pesquisadora avaliou 55.970 domicílios brasileiros de todas as regiões do país, apreciando dois elementos fundamentais: os determinantes alimentares da obesidade e as consequências financeiras desse problema. A partir disso, a primeira conclusão alcançada foi o impacto dos ultraprocessados sobre o desenvolvimento da doença.
“Embora já existissem pesquisas que associavam os alimentos ultraprocessados com síndrome metabólica, pela primeira vez foi realizado um estudo que encontrou uma relação entre o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados e o índice de massa corporal (IMC) das pessoas do domicílio. Conforme elas consumiam mais desses alimentos, maiores eram seus índices.”
A nutricionista ressalta, nesse sentido, que existe uma diferença entre alimentos ultraprocessados e industrializados. Os primeiros, investigados pelo estudo, são muito característicos porque dispensam o hábito de se sentar à mesa; podem ser consumidos em qualquer lugar; não demandam preparo ou a prática do cozimento e são altamente explorados pela publicidade.
“O arroz, por exemplo, possui um nível de processamento. A indústria refinou, empacotou e distribuiu esse produto. Mas é diferente dos ultraprocessados, como refrigerantes e biscoitos recheados, que são formações industriais de perfil nutricional muito desfavorável e com muitos aditivos químicos em sua composição”, explica ela.
O segundo achado importante foram as repercussões da obesidade para os orçamentos das famílias que a enfrentaram. De acordo com os resultados, o excesso de peso favorece o incremento das despesas familiares com medicamentos e planos de saúde. “De fato, a obesidade está associada a uma série de doenças crônicas não transmissíveis e isso se reflete num impacto financeiro relevante para as famílias”, esclarece a pesquisadora.
Ações e perspectivas de enfrentamento do problema
Formular políticas públicas e propostas de resolução, porém, é um processo contínuo, segundo Daniela. Além disso, é necessário atualizá-lo constantemente, pois o paradigma adotado pela ciência da nutrição nos últimos anos, focado em nutrientes e alimentos isolados, já não basta para entender a complexidade da relação entre consumo e obesidade.
Felizmente, essa mudança parece estar galgando espaços relevantes no mundo. É o que demonstra, por exemplo, a estratégia de taxação de bebidas açucaradas implementada pelo México em 2014. No mesmo ano, no Brasil, a concepção do novo guia alimentar para a população brasileira, lançado pelo Ministério da Saúde, também propõe que o consumo de alimentos ultraprocessados deve ser sumariamente evitado.
“O guia baseia suas diretrizes na mesma classificação de alimentos utilizada por mim, e é um instrumento fundamental, pois suas recomendações repercutem nos serviços de saúde, nas escolas e em outras esferas em que se pode atuar pela promoção da alimentação saudável”, revela. Em última instância, para a pesquisadora, é importante conseguir olhar a obesidade duma maneira mais ampla e, a partir disso, pensar em intervenções mais estruturais.